SÁ LÚCIA
Não sei de onde ela é, nem como apareceu na minha vida. Eu era ainda bem novo quando ela surgiu com sua negritude branca e sua incomparável inocência. Nem a própria sabia sua idade, dizia ter uns sessenta e dezesseis e cinco anos, mais ou menos.
Sempre vinha com seus passinhos lentos, arrastando os sofrimentos que os anos lhe incubiram de suportar; sentava-se numa cadeira velha de madeira – que parecia sempre estar à sua espera, naquele mesmo lugar – começava a puxar um assunto qualquer com minha mãe – assuntos desconexos – e, como que por um encanto, adormecia.
A sua casa era pequenina, não tinha reboco, não tinha muro, apenas uma cerca de arame farpado todo cheio de ferrugem e sacos plásticos e lixo... A casa de Sá Lúcia era o seu retrato – simples e sem luz.
Durante todo o dia perambulava pelas ruas catando sacos plásticos, gravetos e todo o lixo que achasse necessário. Não tinha filhos; dizia já tê-los possuído, não lhe restando mais nenhum dentre tantos.
Nos meses de junho e julho era um sufoco. A velha comprava uns rojões, acendia uma fogueira bem de frente à sua casa e, inocente feito uma criança, jogava toda a caixa de fogos dentro da labareda – era um “Deus nos acuda!”; um dia, porém, alguns rojões estouraram dentro da sua casa e não quiseram mais vender-lhe fogos tão perigosos; passou a comprar apenas traques para as fogueiras, mas a luz que brilhava em seus olhos ainda era a mesma .
Ela era uma criança, simples e sem luz. Mas, com uma sabedoria imensa, foi saindo de mansinho e,sem que ninguém percebesse, recolheu-se num asilo- ou exílio? – talvez na espera que, um dia, um de seus tantos filhos lhe venha buscar.
Coração de Jesus, 04/ 06/ 2010
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