segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

SENSATEZ

                                                                                                                                           Elismar Santos





Em meio à escuridão, uma luz.
Depois outra
E outras tantas que vêm.
Não são luzes,
Apenas vaga-lumes
Que passeiam na opaca ilusão.


O mais sensato é voltar a dormir,
Até que raie o dia,
Até que a noite acabe
Levando para longe os vaga-lumes,
Trazendo a luz,
Uma nesga que seja de luz
Que aqueça a alma
E faça renascer,
De novo,
A mínima esperança.


O mais sensato é dormir
Até que o dia nasça
E a noite finde. ou finge.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

O SORRISO DE ANDRÉ



O sorriso estampado no rosto era a marca de André. E, por isso, todos diziam que ele era feliz. Nunca reclamava, nunca pedia qualquer favor e nem mesmo demonstrava qualquer insatisfação. Era mesmo um cara legal. Desde menino, se alguém o chamasse, vinha em desabalada carreira, e ia ao supermercado para Luzia, ao açougue para Aristeu, aos correios para Carlinha, que sempre mandava cartas para o namorado, e até mesmo entregava os bilhetes que Madalena mandava escondido para Estevam.

            Adolescente, André levava os recados que os rapazinhos não tinham coragem de dizer às meninas. E com isso, foi o responsável pelo namoro de Carlos e Pedrelina, de Lívia e Josué, de Antônio e Sassá e de mais um monte que duraram pouco, muito ou acabaram em casamento. Também foi o responsável pela separação de Abadia e Valdecírio, pois foi ele quem levou o recado de Nataniel no dia em que ambos foram pegos na ilhota da lagoa.

            Assim como tudo na vida, o tempo passou para André, ainda que o sorriso lhe permanecesse estampado no rosto. Mesmo contando com pouco mais de quarenta, já não tinha o ímpeto de outros tempos. Se o chamavam, vinha devagar, arrastando uma das pernas e piscando o olho esquerdo, como se tivesse um tique qualquer. E, lentamente, ele continuava transando de um canto a outro, comprando uma coisa pra um, levando recados pra outro.

            E foi assim que, na última quarta, André desapareceu. Ainda não era a hora do almoço e ele estava conversando com Jeremias no bar de Caetano quando lhe vieram chamar. Era um menino triste, de olhar cansado, que havia chegado há pouco e morava com a mãe, viúva de um guarda municipal, nas ruas lá de baixo. Com um sinal o pediu que chegasse à porta e sem que ouvíssemos o que falava, com o rosto quase colado à orelha de André, apontou para a rua da direita.

            Antes de sair, André ainda olhou-nos uma última vez e com o sorriso de sempre pareceu querer dizer-nos algo. Não disse, apenas abaixou a cabeça e arrastando uma das pernas saiu piscando o olho esquerdo. Alguns dizem que um carro preto o esperava no final da rua; outros dizem que não havia ninguém, que ele apenas foi seguindo sem olhar pra trás, ate que sumisse de vista.

            O menino triste ainda continua por aqui. Não é tão solícito quanto André, mas faz as suas vezes: vai ao supermercado, ao açougue, aos Correios e leva os recados que lhe pedem, mesmo não os dando com a mesma precisão. É verdade, ainda temos um garoto de recados, mas não é a mesma coisa, falta um sorriso no rosto, falta o sorriso de André.