sábado, 30 de julho de 2011

OS PÁSSAROS

1 BANDO DE JANDAIAS ALVOROÇADO VOA
TALVEZ PARA O SUL
QUIÇÁ PARA O NORTE.
VOA EM DEBANDADA
CANTANDO ROCK
TOCANDO VIOLA
REFAZENDO POESIA.

ELISMAR SANTOS 29/07/2011

sexta-feira, 29 de julho de 2011

DIÁRIO DE BORDO (2º Capítulo)

Os carros passam em alta velocidade pelas ruas largas de Brasília. As pessoas todas apressadas, nenhum bom-dia, ou mesmo um aceno com a cabeça. Todo mundo correndo, como se já estivessem atrasados. As lembranças de Beatriz e Teresa são quase arrasadoras, mas suporto, tenho que suportar.

            Tenho já um lugar para ficar, uma pensãozinha vagabunda, onde pago pouco e durmo muito mal. Faz uma semana que estou por aqui e ainda não fiz qualquer tipo de amizade. A dona da pensão é uma mulher gorda, pelo que ouvi dizer, é viúva, deve estar pelos quarenta e poucos anos, mas o seu jeito de vestir e seus movimentos bastante lentos lhe dão as aparências de uma senhora com bem mais idade. Ela conversa pouco, tem a cara fechada e quase nenhuma educação, mas, apesar de tudo isso, tem os quartos sempre cheios. Talvez por isso não sinta a necessidade de agradar este ou aquele inquilino. Não faz menção dos que freqüentam os seus dormitórios, daí poder-se encontrar todo tipo de pessoas e das mais diversas índoles, gente vinda dos mais recônditos recantos.

            Das tantas pessoas que passavam pela sala da pensão – além dos quartos, ali há uma sala grande com dois sofás velhos e uma televisão; uma cozinha onde deveríamos almoçar, mas apenas alguns aparecem; e um banheiro muito pequeno pelo qual temos que pelejar logo pela manhã – apenas alguns me chamam a atenção: um rapaz alto que sai sempre que o sol se põe e só volta quando o dia já vai corrido, alguns dizem que ele é gótico e outros que trata-se de um cafetão no Plano Piloto. Não acredito em nenhuma das hipóteses, creio ser apenas um notívago acostumado a perambular pelas noites do DF; uma mocinha bastante nova que sempre aparece com um sujeito diferente, entra pela sala e nem olha para os presentes, talvez com vergonha de sua vida, todos dizem ser aquela uma garota-de-programa; um homem de meia idade que sempre sai de manhã com sua maleta a tiracolo e volta tarde da noite, já bastante embriagado – dizem que ele era um grande empresário que faliu, mas que ainda cultiva os velhos hábitos.

            Existe ainda outra mulher. Talvez tenha uns vinte e poucos anos, loura de olhos cor de folha seca; não sendo alta, também não é pequena e, segundo me disseram, viera de Curitiba, não se sabe bem o porquê e nem como fora parar naquela pensãozinha vagabunda.

            Não sei por que aquelas pessoas são as únicas a me chamar a atenção, existem outras muitas naquele lugar, mas nenhuma tão singular quanto aquelas. Ainda não me acostumei com a capital, mas tenho a ciência da necessidade de estar por aqui; por isso tento me ambientar e, muitas vezes, se tenho vontade de chorar, por saudade das duas, me seguro e invento uns pensamentos estranhos, coisas capazes de me entreter. Tenho comprado quebra-cabeças, revistas e outros divertimentos, mas o meu divertimento é assentar-me no sofá e observar aqueles estranhos moradores da pensão. Não se trata realmente de um divertimento, aquilo nada mais é do que uma maneira que encontro para disfarçar as saudades que me ficaram para trás, mas ainda me doem forte no peito. Aquelas pessoas, cada uma com suas particularidades, cada qual com suas histórias, eram uma fonte de passatempo e estudo da sociedade e suas ações.

terça-feira, 26 de julho de 2011

SAUDADES

Tenho muitas saudades, mas não sou de todo nostálgico. Antes, sou saudosista. Não fico chorando alguma coisa que se fora, procuro buscar novos aprendizados, novos conhecimentos, novos renascimentos. Mas, é inegável: antes era bem melhor.
Tenho saudades dos tempos em que brincava de "polícia e ladrão" no cair da tarde. Quando saiamos correndo pelas ruas cascalhadas de Coração de jesus; de quando brincávamos de bola de meia na rua de cima, ou na rua de baixo, debaixo da chuva que caía branda em nossas cabeças; de quando descia a rua para ir assisitir jogos do Independente ou do Benfica no Cecorje; de quando saía para engraxar sapatos ou vender chup chup nas ruas do centro.
Hoje não existe mais. O que há são televisões de plasma; computadores de última geração; meninos obesos e preguiçosos. Não existe mais a vida de antigamente. Por isso, basta-nos apenas sonhar e relembrar, na esperança de que um dia possamos voltar a estaca zero e começarmos tudo de novo. Mas, será que ainda lembraremos do quanto eram bons aqueles tempos? Ou tudo será apenas uma lembrança vaga em nossa mente?!

segunda-feira, 25 de julho de 2011

DIÁRIO DE BORDO (4º Fragmento)


É de manhã. O menino grita “olha o pão, quentinho quentinho!” e eu acordo. Faz frio e Teresa ainda dorme. Levanto-me e vou preparar o café. Ligo a TV, está passando um telejornal; penso em desligar o aparelho, tenho medo de que a senhora presidenta volte a falar. As lembranças vêm a minha mente; sempre a mesma fala e a mesma sensação de que algo de errado estar por acontecer.
            Enquanto a água aquece vou até a estante e pego o primeiro livro que vem pela frente: “Memórias do Cárcere”, de Graciliano Ramos. Mera coincidência. Mas, quem sabe?! Talvez esteja por aparecer uma nova Ditadura. Vejamos o Chávez na Venezuela e tantos outros que vêm aparecendo na América do Sul.
            Ponho o livro sobre o sofá. Dou uma olhada na água, que ainda não está fervendo. Vou até o quarto de Beatriz e ela ainda dorme. Sento-me novamente e ponho-me a ler as primeiras páginas. Não presto atenção; o que me vem a mente é sempre a lembrança da senhora presidenta na televisão. Renato Machado repassa as notícias, não ouço; tirei o som da TV e alterno-me entre a leitura do livro e a imagem do aparelho.
            A água ferve. Levanto-me e ponho a coar o café. Depois, vou a padaria comprar uns pães. Tudo está como antes. Será que tudo isso é apenas uma paranóia em minha mente? Não sei. Ando meio desconfiado, olhando de um lado para outro; tentando encontrar nos olhos de cada transeunte uma faceta confabulatória, algum aspecto de revolução.
            Faz frio e, sinceramente, tenho o desejo de que uma chuvinha mansa caia em minha cabeça, talvez para esfriar a mente, quiçá tirar estas loucuras de mim. Não cai; o que sinto é apenas o frio que me arrepia os pêlos e uma sensação estranha de que tenho que ir. Não sei pra onde, nem porque, apenas a sensação de obrigatoriedade. Compro os pães e, enquanto retorno, tenho a convicção de que é chegada a hora.
            As duas ainda dormem. Deveria esperar até o anoitecer. Esta era a minha resolução. Mas tenho pressa; não dá pra esperar; eu não posso esperar; também a nação não pode esperar por aquilo que nos estar para acontecer. Por isso, tomo o meu café com pão e manteiga- o de sempre- desligo a TV; não pego qualquer peça de roupa e saio. Não me despeço delas, não gosto, nunca tive tendência a choros e despedidas, em seu lugar escrevo poesias enquanto choro palavras descoordenadas numa folha de papel.
            Faz frio e, embora não pareça, tenho vontade de que uma chuva branda caia em minha cabeça. Caminho lentamente, sem saber para onde, porque ou como. Simplesmente ando por caminhos esmos, sempre em busca das palavras da senhora presidenta, repetindo-as calmamente para ver se consigo encontrar o verdadeiro significado. Enquanto isso, um cachorrinho late numa casa próxima. Passo por ele e sigo.

AS BATIDAS NO PORTÃO

AS BATIDAS NO PORTÃO


O copo de cerveja sobre a mesa e a carne assando na churrasqueira. Faz um friozinho bobo já quase no mês de agosto. A piscininha de lona jorra água para todos os lados – é incrível como crianças não se preocupam com o frio. A conversa flui fácil e os sorrisos cortam o ar, chegando a toda a vizinhança.
O som está alto, sobrepondo-se aos barulhos dos carros na avenida. Alguém bate no portão, mas o barulho da música que toca não permite ouvi-lo. As crianças gritam, os homens riem, as mulheres tagarelam a vida alheia, enquanto o cachorro late pedindo um pedaço de carne. Os sons se sobrepõem e já não se entende nada, parece mais uma torre de babel onde o que vale é somente a felicidade etílica que contamina o ambiente.
No portão os bates aumentam. A pessoa parece agoniada, desesperada, quase enlouquecida. Talvez seja uma notícia boa: uma promoção, um nascimento de uma nova vida, alguma congratulação... Mas também pode ser algum mau presságio: a morte de um ente querido, alguma doença ruim; quem sabe seja um sujeito louco por vingança, assim como se vê nos noticiários todos os dias...
Melhor não abrir o portão. Ninguém escuta as suas batidas e os sorrisos aumentam à medida que cresce a quantidade de álcool no sangue. A felicidade aumenta; aumentam as tagarelices das mulheres; as crianças gritam e jogam água para todo lado e o cachorro, já cansado de esperar, recolhe-se à sua casinha quente e acolhedora.
Lá fora, cessam as batidas no portão. Os carros passam em alta velocidade e, sob o som da música e do barulho da gordurinha caindo na brasa aquecida, a notícia- boa ou má- esvaece junto com o friozinho de quase-agosto.

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domingo, 24 de julho de 2011

A MULHER PERFEITA


A MULHER PERFEITA


Era uma mulher linda e não usava vestido vermelho. Vestia um de cor acinzentada, sem brilho nem pompas. Tinha os cabelos curtos e com um pouco de luzes; os olhos eram vivos e bastante escuros e a boca era simples, mas de um simples que chamou rapidamente a minha atenção.
Vinha dos lados do posto – eu estava num banco da pracinha – como se estivesse indo para os lados da rodoviária. Tinha pressa, mas na se perdia dentro dela. Andava com elegância, deixando que os cabelos curtos balançassem ao sabor do vento cândido que soprava àquela hora vespertina.
Não, ela não sorria. Nem precisava. Sorriamos pra ela. Sorríamos, porque com certeza não somente eu tinha observado aquela mulher de cabelos curtos e olhos vivos e escuros. A rua estava cheia e muitos de nós estávamos sentados nos banquinhos, talvez a espera de alguma poesia, ou de coragem para prosseguir a caminhada.
Trazia uma bolsa a tiracolo e todos os olhares junto a si. Não desfilava, apenas andava apressadamente e com a elegância peculiar às belas mulheres. Passou por toda a pracinha em meio a um silêncio geral. Não olhou para os lados, não me viu, na percebeu que um poeta apaixonava-se naquele instante.
E assim ela se foi. Virou a esquina de um jeito leve, sublime, encantador. Quis segui-la, entregar-lhe uma rosa; dizer-lhe uns versos apaixonados. Mas aquela tarde,aquele sol e aquela paixão exacerbada não me deixavam sair. Por isso fiquei, peguei do meu bloquinho e comecei a escrever.

sábado, 23 de julho de 2011

O RIO E A VIDA

O RIO E A VIDA


Final de semana passado estive em Ibiaí para uma festa do Sindicato dos Trabalhadores Rurais daquela cidade. Trata-se de uma cidadezinha norte - mineira governada por uma mulher e banhada pelo Rio São Francisco. De fato, uma atração turística bastante interessante.
Nada mais interessante do que, à beira do Velho Chico, entrar em contato com a cultura e a hospitalidade do sertanejo, ainda mais se tratando de um escritor regionalista; tem-se aí um rico material para um próximo livro.
Quando chegamos fazia frio, tal como o foi durante todo o dia. Ainda assim, fomos ao rio. Continua lindo, majestoso, levando em seu âmago todas as singularidades do lugar. No entanto, chamou-me a atenção o fato de, apesar de ainda estarmos em Julho, o mesmo já estar cheio de praias. Um bom sinal para os banhistas que têm um vasto espaço para se divertir, contudo uma tristeza para os que têm a consciência de que, pelo andar da carruagem, ainda o veremos à míngua, bastante seco e quase sem vida.
Aproveitei as suas águas. Molhei os pés, tirei fotografias e diverti-me ao ver as crianças brincando em suas águas. Mas a agonia do Rio São Francisco impregnou-se em minha alma e, embora para muitos seja apenas mais um bocado de água descendo, eu via o seu sangue escorrendo pela foz, com a pele lhe soltando das barrancas, enquanto um caminhão- pipa sugava-lhe a vida eternamente.
Fazia frio naquele dia, mas o coração do Velho Chico batia forte, latente, como se de suas entranhas surgisse um grito agudo por socorro. Enquanto isso, no Sindicato dos Trabalhadores Rurais tinha comida, bebida, prêmios e muita animação; de fato, uma atração turística bastante interessante.

sexta-feira, 22 de julho de 2011


O poeta em família: Ana, Deborah e eu.

DIÁRIO DE BORDO (3º Fragmento)


Ainda me lembro de quando a conheci. Era uma mocinha tonta, de olhos azuis e cabelos bastante lisos e negros. Não gostava de ler, nem de cinema, muito menos ouvia músicas inteligentes. Talvez por isso eu tenha gostado tanto dela.
Agora dorme. Talvez sonhando com os nossos momentos. Ou, talvez sonhe com outros momentos, que não os nossos. Não sei. Definitivamente, sou péssimo para ler a mentes dos outros. Reconheço os pensamentos pela voz, mas não os leio; sou, por isso, um semi-analfabeto.
Faz tempo que estamos juntos, mas não sei se a conheço. Talvez eu não conheça nem a mim mesmo. Às vezes sou poeta, noutras sou roqueiro, blogueiro, apaixonado; e, às vezes, nem sou; deixo que sejam por mim. Aquieto-me em meu lugar e deixo estar. Melhor assim.
Fico por longo tempo a olhá-la. Teresa é bonita. Não uma beleza arrebatadora, mas uma singular, quase irreconhecível, mas que me chamou a atenção. Acho realmente que os opostos se atraem. Por isso ainda estamos unidos; embora talvez não por muito tempo. As lembranças do noticiário teimam em perpetuar-se em minha mente; a senhora presidenta e a sua fala intrigante, esta noite estranha... Tudo m e parece estranho; tudo me tem um terrível ar de despedida.
Deito-me. Mas, antes, observo Beatriz em sua cama. Ela dorme; Teresa dorme; o mundo dorme lá fora. Não sabem do que estar por acontecer, somente a presidenta e eu sabemos. Não consigo fechar os olhos e, por isso, fico olhando para o teto. Uma aranha caminha pelo telhado; de cabeça para baixo, parecendo tentar uma nova visão do mundo.
Um cachorro ladra. Deve ser algum bêbado cambaleando pela rua, voltando atrasado. Os outros cachorros completam o coro e uma música desritmada se constrói em meio à escuridão noturna. Será o que pensam os cães, os animais; será o que pensamos todos nós? As perguntas surgem em minha mente; tento controlá-las. Inútil. Elas tomam conta de mim, enquanto uma angústia profunda me pesa no peito.
Procuro organizar minhas idéias, enquanto observo a aranha quase alcançado o seu ponto final. Levanto-me, pego o chinelo e dou um fim ao inseto (Será que a aranha é mesmo um inseto?). As idéias se organizam, embora algumas ainda se debatam dentro de mim. Está tudo certo: amanhã, quando já fizer escuro, hei de partir. Nem Teresa ou Beatriz saberão. Irei sozinho. Não sei pra onde, por que e nem como; sei apenas que devo ir para qualquer ponto de chegada, assim como aquela aranha.
É tarde. O bêbado deita-se numa calçada qualquer. Os cachorros ladram quase em silêncio. Imagino toda a cena, enquanto um, mais curioso, chega-se junto do homem, lambe-lhe o rosto frio e sujo de terra (Resultado de alguma queda no caminho) e deita-se ao seu lado. Fecho os olhos e tento adormecer.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

DIÁRIO DE BORDO (2º Fragmento)

As duas ainda dormem. Beatriz está abraçada ao ursinho. Um velho urso de pelúcia que sua avó lhe deu de presente num dos seus primeiros aniversários. Agora já conta cinco anos e dorme como um anjinho, embora uma tosse recorrente faça com que ela mexa-se quase que a toda hora.
O seu quarto é colado ao nosso. Tem uma caminha revestida por um lençol com desenhos de uma menininha; uma cômoda com alguns brinquedos em cima e uma caixa de papelão a um canto, com outros brinquedos a cair pelo chão.
As lembranças me vêm como enxurrada. De quando nasceu; quando brincava pelo quintal de terra batida; quando foi à escola pela primeira vez. Por mim, nunca haveria de ter ido à escola. Aprenderia em casa, sobre a minha batuta, com livros e lições.
Da primeira vez, foi toda feliz enquanto uma lágrima quente descia-me dos olhos. Das outras, ia a contragosto, por obrigação; não gostava mais dos livros, do quadro-negro, dos professores e seus ensinamentos. O seu aprendizado crescia a olhos vistos, assim como a sua insatisfação. É uma revolucionária.
A luz está apagada, mas a luz da lua passa pela janela de vidro e bate levemente na sua face. Os cabelos negros caindo parte sobre o rosto, deixando-o com uma aparência misteriosa, feito fosse uma poesia prestes a ser escrita numa folha de papel. Uma poesia forte, com traços de beleza e rebeldia, assim como devia ser toda ela. Não gosto de poesias melosas, cheias de soneto, de assonâncias e aliterações. A verdadeira poesia tem que ser dura, cruel, sem devaneios nem malemolências.
Paro por um tempo a contemplá-la, como se eu fosse embora. Não sei. Apenas uma sensação estranha me dói no peito. As lembranças da senhora presidenta; uns calafrios a subir pela minha espinha; o perturbador pressentimento de que ela me estava escondendo alguma coisa. Algo de muito duro, talvez uma revolução, uma traição, uma guerra talvez.
Beatriz, adormecida sobre a cama, deve sonhar sonhos bons. Talvez sonhe com o ursinho que também dorme no calor do seu abraço. Ou talvez nem sonhe; apenas dorme, desligando-se deste mundo louco e transviado.
Tenho anseios de ligar a TV. Talvez a senhora presidenta tenha voltado. Talvez dê alguma nova explicação; fale do que acontece; do que estar por acontecer. Não. Não ligo. Assento-me no sofá e fico a olhar a tela desligada à minha frente. É tarde e não tenho sono. Quero deitar; mas este sentimento me mantém acordado, como que em vigília, eterno estado de alerta. No nosso quarto, Teresa dorme solitária; a espera de um abraço que tarda em chegar.

terça-feira, 19 de julho de 2011

DIÁRIO DE BORDO (1º Fragmento)


Um friozinho começa a soprar lá de fora. Levanto-me e fecho a janela. A musiquinha indica que o pronunciamento chegou ao fim. Desligo a TV; mas as palavras da senhora presidenta continuam em minha mente. Não tenho sono; por isso, me levanto e saio. Poderia ir até o bar do Egmar, tomar uma cerveja, comer um tira-gosto, jogar algumas partidas de sinuca. Não, melhor apenas perambular pelas ruas. Faz frio e, ao sair, esqueci de botar a jaqueta. Na certa, amanhecerei resfriado.
Na pracinha, um casal de namorados se abraça tentando se esconder do frio. Não têm qualquer preocupação; não imaginam o que possa estar por acontecer. Tenho raiva, raiva desta nova sociedade. Anda sem qualquer ideal, sem nenhum objetivo que valha. Penso até que o problema possa não ser com a sociedade, mas comigo, com minhas idéias, com minha eterna revolução.
Assento-me na amurada de uma casa. A lua está cheia. Alguns morcegos sobrevoam próximos a uma árvore, feito vampiros em busca de sangue. Lá dentro, um homem tosse desesperado, talvez esteja perto da morte; é uma tosse seca, contínua, sufocante. Imagino o velho – pelo tossido deve ser um homem envelhecido – tossindo, tossindo até que o sangue lhe sai pelas ventas; é um velho branco, dos cabelos embranquecidos pelo tempo e pelas dores que deve sentir no peito; dores de doenças, de lutas, de amores não correspondidos. Devia ser um jovem cheio de ideais; um homem de verdade.
Volto. O casalzinho continua agarrado. Certamente, o coração deles bate forte, sentem um intenso calor subir pela barriga e chegar até o peito; a respiração dele deve estar ofegante, quente, enquanto os seios dela arfam numa respiração exaltada, acelerada. Ele deve sentir vontade de pegá-la no colo, beijá-la, acariciá-la, possuí-la sobre aquela grama verde... Nada que valha mais do que um reles momento de prazer. Essa é a sociedade atual.
Enquanto volto pra casa, penso. Toda a minha vida passa a minha frente, feito um filme de mim mesmo. Sempre tive ideais, o que não implica dizer que sempre pratiquei ações idealistas. Pensava e escrevia. Planejava para que os outros praticassem e, assim, realizava o meu papel perante a sociedade. E agora, quem haveria de fazer a minha tarefa? Já sou um homem casado, com filha e uma situação estável. Deveria deixar o serviço para os mais jovens, a quem tivesse força, vontade, ideal revolucionário... Mas, será que se trata mesmo de uma revolução, ou são apenas devaneios de um ex-combatente?

segunda-feira, 18 de julho de 2011

DIÁRIO DE BORDO (1º Capítulo)

Do quarto, ouço o noticiário, embora não possa vê-los. Melhor assim, sou capaz de recriar cada imagem de forma mais amena e com maiores traços de beleza. Em alguns momentos estico-me e olho para compreender melhor a situação; vejo que as duas estão adormecidas. Deixo meus pensamentos por um instante, ponho-as em suas camas e volto às minhas divagações. Pensei desligar a TV, mas o inconsumível interesse pelas tragédias deste dia fizera-me relutar. As notícias são sempre as mesmas: acidentes na Dutra; assassinatos nas capitais; guerras no Oriente Médio; apreensão de drogas nas grandes cidades. Sempre as mesmas notícias, apenas com um pouco mais de crueldade. Estou me especializando em descobrir os pensamentos dos meus interlocutores apenas pelo timbre de voz – já uma das conseqüências de somente ouvir aos noticiários, outra é a grande capacidade auditiva que me foi apurada.
Até agora, nenhuma novidade. As mesmas notícias que o Bonner transmite sem qualquer expressão de sentimento, nem dor ou alegria, apenas o profissionalismos burguês que quase me dá vontade de vomitar.
Enquanto ouço o jornal; um profundo vazio toma o meu peito. Não consigo entender o porquê daquelas notícias; por isso, levanto-me para desligar a TV quando a presidenta me aparece na tela; volto de súbito,, como que tomado por um inconteste envergonhamento; sempre me pego tomado por estas sensações bobas, ainda mais de frente a pessoas mais importantes.
Nunca fui ligado a politicalhas e, a bem da verdade, também não gosto da senhora presidenta, não desligo a TV, assento-me no sofá e ponho-me a assisti-la. Um pensamento ruim me toma o peito, sua voz está embargada, pesada, cheia de apreensões. Ela não dizia nada de mais, mas sua voz falava muito mais do que devia. Há alguma coisa estranha no ar. Abaixo o volume para não acordar as duas que dormem tranquilamente em seus quartos; aproximo-me da TV enquanto dispenso toda a minha atenção à senhora presidenta. Não tenho dúvidas, ela está apreensiva, muito diferente da senhora comedida e segura que se apresenta constantemente em meu aparelho televisivo. Isso não é bom sinal.

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domingo, 17 de julho de 2011

DIÁRIO DE BORDO (Início do livro)

A TV está ligada e as duas assentadas no sofá. Uma com os pés sobre o estofado e a outra deitada no seu colo. Faz frio e as notícias do JN colaboram para aumentar a sua intensidade. Não gosto de noticiários. Por isso, assento-me à escrivaninha, abro o computador e tento escrever algumas palavras. Primeiro, tento buscar uns versos; alguma coisa que fale de amor, de dor – não entendo bem as suas raízes, mas sou melancólico por natureza. Depois, tento uma narrativa, talvez uma epopéia ou uma crítica social. Não sai, faltam-me as idéias e, por mais que eu tente, não me vem qualquer lampejo de criatividade.
Às vezes me vejo tomado por total abstinência criativa, como se me faltasse a mínima vontade de produzir, daí a sensação de que muito pouco valho neste mundo. Assim como não tem valor aqueles que nada produzem nesta nossa existência. Só então me surge a pergunta sobre o porquê de estarmos aqui. Será que temos um porquê, ou apenas viemos acá por um mero acaso?
Não consigo encontrar qualquer explicação plausível, e esta dúvida me queima a cabeça, fazendo com que minha velha dorzinha de cabeça volte a mim, como se fosse uma parte de minha alma.


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terça-feira, 12 de julho de 2011

LIBERDADE AINDA QUE TARDIA


LIBERDADE AINDA QUE TARDIA



                        A última reunião aconteceu às cinco horas da tarde. O assunto principal, como sempre, era a política e os seus problemas, mas ele participava mesmo era por causa da bebida que era de graça. Saiu meio cambaleante, tinha discutido com os comparsas e preferira seguir sozinho o seu caminho. Falavam muito de política; uma grande palhaçada, ele gostava mesmo era do tanto e da qualidade das bebidas que passavam pelo seu copo. Quase sempre brigavam, problemas comuns aos relacionamentos abertos e constantes, mas, no caso dele era diferente, não eram tão constantes as suas participações nas reuniões e, ainda que elas fossem estritamente secretas, depois de bêbado, ele entrava nos botecos e punha-se a delatar tudo que fora discutido, como se fosse um discurso político, a pauta do dia.
                        A briga tinha sido pior do que das outras vezes. Ele havia ficado bastante magoado, tomou um trago da bebida e proferiu a maior ameaça que um membro da irmandade poderia fazer: “todos saberiam das ações do grupo e as ações que eles planejavam”. Foi grande o alvoroço na reunião, alguns, mais exaltados, querendo esganá-lo, outros tentando persuadi-lo a desistir de tamanha insanidade, outros, ainda, alheios a tudo, sem qualquer posicionamento, esperavam pelo desfecho daquele embate. Foi quando o líder da turma sentenciou que “fizesse o que bem entendesse, pois não pertencia mais àquela irmandade”. Sentia-se triste, mas não conseguia esconder o alívio que tomava conta de si; tomou um outro trago da bebida, levantou-se com ar de superioridade e saiu a caminhar pelas ruas, mal se agüentando de pé.
                        As suas idéias começavam a embaralhar-se. Andava cambaleante pelas ruas estreitas. Do seu lado passavam várias mulheres bonitas, todas muito brancas e de pele extremamente fina, acompanhadas por negrinhas desarrumadas que carregavam na face o gosto doce do pecado; negros vestidos precariamente carregavam sacos de açúcar nos armazéns da cidade, enquanto homens brancos, com seus bigodes finos e afilados, faziam a corte  às mulheres brancas que se debruçavam nas janelas das grandes casas do centro, deixando, displicentemente,  que eles vissem os seus seios pequenos e durinhos feito pêras amadurecendo.
                        Ele não sentia pena daqueles negros. Nenhum membro da irmandade sentia pena dos negros, eles eram tidos apenas como animais de estimação, bichos sem alma, sem pensamentos, sem qualquer tipo de sentimento, não eram mais que bichos criados para servirem aos homens brancos, os verdadeiros filhos de Deus.
                        Nas reuniões das quais participava, não se falava em nome de negros. Lutavam pela queda do império, um sistema falido que não levaria o país a lugar algum, e, por esses e outros motivos, deveria ser derrubado; falavam em mudar a capital do país, mal situada e pessimamente construída, um ponto vulnerável a qualquer tipo de ataque inimigo, ademais, por direito e justiça, a capital do país deveria ser a região de maior acúmulo de riquezas em toda a nação.
                        Estivera parado por um longo tempo no meio da rua enquanto fazia suas observações. Não tinha mais qualquer tipo de ligação com a irmandade, um clube fechado, uma corja de poetas, padrecos, fazendeiros, funcionários reais que almejavam o poder, um bando de delinqüentes baratos. Não sabia verdadeiramente a sua posição dentro da irmandade, era um simples alferes que andava embriagado e o qual nunca deixavam que se pronunciasse uma verdadeira farsa. O mais justo era que denunciasse àqueles malditos, ajudasse a família real. O pobre homem, embriagado, delirava em meio aos seus próprios pensamentos.
                        Continuou a sua caminhada, contra a vontade de suas pernas, era como se ele quisesse andar e elas teimassem em dizer não; andava devagar, cambaleando, um bêbado no meio da rua equilibrando-se para não cair. Subia as ladeiras como se carregasse um grande fardo nas costas e, à medida que vencia aquela distância, aumentavam os seus ideais de liberdade, queria libertar-se da irmandade. Pensava em proclamar, sozinho, a independência do país, tornar-se-ia um soberano, com plenos poderes e um grande coração; não seria um déspota como tantos imperadores daquele tempo, seria justo e caridoso, honesto como o rei Salomão.
                        A adrenalina crescia dentro de si, o coração batia acelerado e uma grande confiança nascia no seu peito. Nascia ali um verdadeiro revolucionário: tornar-se-ia rei, faria todas as revoluções que a irmandade pregava sem pedir-lhe qualquer ajuda; conquistaria o poder unicamente pelas suas forças, com suas próprias mãos.
                        Entrou num boteco de grandes portas azuis, já era noite, pediu um trago de bebida; ao terminar o gole, subiu sobre uma grande mesa, passou ao balcão, pigarreou para limpar o catarro da garganta e chamar a atenção dos presentes; precisou ser segurado para que não despencasse de cara no chão e, com o ar de superioridade que tomara desde que saíra da irmandade, começou a discursar; pregou contra  as injustiças da justiça imperial, a cobrança abusiva dos impostos, os desmandos do rei, o alto preço dos alimentos, as más condições das estradas, a insegurança nas ruas e becos das grandes cidades, a falta de sonhos e iniciativa da sociedade; começou a pregar  sobre o direito de todo cidadão à saúde, alimentação, dignidade e, no ponto alto do seu pronunciamento, citou passagens bíblicas, deu uma nova roupagem à vida de Cristo  e conclamou o povo à revolução.
                        Passava da meia-noite quando a guarda real chegou para por fim a questão. Os revoltosos haviam quebrados todas as mesas e cadeiras do boteco, saquearam as bebidas e os tira-gostos; haviam entrado nas outras lojas, quebraram-nas por completo; roubaram tudo o que era possível carregar. Era grande a balbúrdia nas principais ruas da cidade. Puxando a multidão, levou-a até a sede da irmandade, quebraram todas as dependências do lugar, surraram os membros que encontravam pela frente e fugiram gritando palavras de ordem e gritos de guerra. Encontraram-se na porta da igreja com a guarda real; houve um grande quebra-quebra, mulheres gritando, cinco pessoas correndo desnorteadas, alguns fugindo da guarda, outros partindo para cima das autoridades, uma confusão generalizada.
                        Tivera a sua chance de fugir, protegeram-no, proclamaram-no o novo salvador da pátria. Preferiu ficar, não agüentaria correr, ademais, podia persuadir aos guardas quanto à justiça das suas idéias; sentou-se a um canto e pôs-se a meditar, pensava nas palavras que deveria usar para convencê-los dos seus ideais, enquanto os outros brigavam , matavam-se pela sua causa. Sua cabeça rodava, ainda estava muito bêbado, sentia vontade de vomitar, mal conseguia manter os olhos abertos; como se nada de mais estivesse acontecendo, deitou-se no meio-fio e adormeceu o sonho dos justos, com uma grande tranqüilidade na alma de quem tinha cumprido o seu dever.
                        Com um balde de água fria acordaram-no na manhã seguinte. Sentia-se tonto, um terrível gosto de guarda-chuva na boca; olhou desorientado sem saber onde estava; levantou-se cambaleante e foi até a janela, o dia estava muito bonito, uma maravilha divinal; foi até o banheiro, barbeou-se, tomou um banho quente, o corpo estava todo dolorido como se tivesse dormido mal, no meio da rua, bem no meio-fio; vestiu a roupa; perfumou-se e foi para o trabalho.
                        A rua estava uma bagunça, era como se uma grande guerra tivesse se passado naquela cidade; de frente à cadeia era grande o número de fotógrafos e repórteres em busca de novas informações a respeito dos arruaceiros. Na porta do edifício em que trabalhava tudo era uma grande bagunça: vidros quebrados, paus e pedras espalhados pelo chão, roupas rasgadas e jogadas no meio da rua, objetos perdidos, gente dormindo nas calçadas. Pegou o elevador e subiu ao escritório. Tudo estava quebrado: cadeiras, mesas, computador, uma verdadeira catástrofe. Voltou horrorizado; tentou o elevador, estava cheio; voltou correndo pela escada; o saguão do edifício estava tomado por repórteres e fotógrafos; tentou passar despercebido; avistaram-no e tentaram entrevistá-lo, abaixou a cabeça e fingiu não vê-los; foi interceptado por dois policiais, tentou fugir, mas logo foi dominado e, sob os flashes das máquinas fotográficas e as perguntas de repórteres, foi obrigado e entrar na viatura, estava preso.
                        Sua foto apareceu em todos os jornais escritos e na televisão; no rádio por muito tempo proclamaram o seu nome.
O poeta produzindo!





segunda-feira, 11 de julho de 2011

O VELHO E A VIDA

Os carros passando rápido; pessoas correndo de um lado para outro; mães arrastando crianças pela mão; um homem gritando "Olha o geladinho, barato bem baratinho!"; um guarda passando com as mãos coladas às costas; um senhor sentado junto à murada do prédio fumando o seu cigarro, olhando a vida passar...
Tinha certeza, fazia velho naquela tarde sem sol. Nuvens acinzentadas passavam para lá e para cá, como que ziguezagueando. Um avião passou fazendo caminho em meio às nuvens. Tinha realmente a certeza de que fazia velho naquela tarde. E não era aquele recostado à murada fumando um cigarro. O cafezinho esfriando em sua xícara, enquanto olhava tudo aquilo pela janela do escritório.
Podia imaginar: o chefe reclamando os papeis que voltaram; os filhos chorando a falta do leite e do pão; o presidente repetindo sempre a mesma ladainha de que o país navega em águas calmas à bom bordo; a mulher com os cabelos enrolados nos bobes e uma meia velha a cobri-los; os carros passando em alta velocidade.
Um passarinho apareceu junto à janela. Bateu com bico três vezes. As nuvens em contínuo ziguezague, causando-lhe um enjoo quase imperceptível. E o velho junto à murada fumando o seu cigarro, olhando a vida, os carros, as pessoas eo friozinho que sopra para lá e para cá.
Abriu a janela. Lembrou-se de tudo, de todos.Sentiu saudades, raiva, amor, compaixão, tédio, ódio, dor. O passarinho tinha as penas ouriçadas e cantava uma canção bonita. E ambos foram pelo infinito até desparacerem por entre as nuvens.
Encostado junto à murada, o velho viu, mas ninguém haveria de acreditá-lo.

Elismar Santos  Coração de jesus  11/07/2011

domingo, 10 de julho de 2011

NA ASSEMBLEIA

Baco discursa na ágora
Agora.
De camisa social
Aberta ao peito,
Mostrando os pelos
Encaracolados
Zeus observa a cena.
Afrodite olha do seu pedestal
Entusiasmada
Em seus gozos eternos
Enquanto Cronos
Arrastando-se de tédio
Beberica um tango argentino.


Alheio a todos os protocolos e alegorias
Adonias embebe-se de cerveja e amor
Enquanto cantarola as agonias de um
                                               Beija-flor.

                                                                                                                     Coração de Jesus  06/07/2011

quinta-feira, 7 de julho de 2011

A CARAVANA E OS SAPOS

A caravana chega
e os sapos se enchem.
Degusta-se do melhor
Bebe-se do mais doce
e toda a vida medíocre
Transforma-se em valsa.


A caravana passa


Vão-se os sorrisos
A música e os sonhos.
Ficam apenas os sapos
Com toda sua realiza.

Coração de Jesus 07/07/2011

sábado, 2 de julho de 2011

DIÁRIO DE BORDO

Um doce na quitanda
Quintana sob o braço
e o sol a pino
E o dia ainda
Como se a vida se arrastasse

Ao fundo uma moça
Com suas curvas
e uma mosquinha azul
Cantando à capela.