quinta-feira, 16 de junho de 2016

TESTAMENTO

                                                                                                          Luís Emanuel Cansado

Aos bons amigos eu deixaria meu melhor sorriso
Aos pássaros e às flores, deixaria o sol e a chuva
Ao meu maior amor, deixaria a morte indolor.

Assim versaria meu testamento, fosse eu poeta.
Assim cantaria às nuvens, fosse eu um anjo
Assim diria às dores, fosse eu um ser imaculado.

Mas, eis que a  poesia é apenas uma sombra
Que permeia minha alma e desnuda-me o ar
Fazendo de mim um escravo do que escrevo.

Meus melhores amigos se foram de mim
Os pássaros e as flores já não me encantam
E o amor é apenas um sonho encrespado na alma.

Restam-me, portanto, o ostracismo e a dor
Nesta tarde fria em que me deito solitário
No silêncio de minha sombra eterna derradeira.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

VIZINHOS

- Bom dia, vizinho.
- Bom dia vizinha.
- Ontem à noite, ouvi algum barulho vindo da sua casa. Por acaso, estava fazendo alguma festa?
- Não era festa, apenas um jantarzinho solitário.
- Mas, que graça tem um jantar solitário... com música, mas sem ninguém para dançar?!
- Eu não danço, vizinha. Apenas sinto a música, e deixo que ela me penetre a alma. Isso me ajuda a escrever meus poemas.
- É verdade, você é poeta. Já até li alguns poemas seus. Coisa pouca, mas que me deixaram curiosa... Por acaso, tira-os de algumas paixões complacentes? Ou dos vinhos que beberica nesses jantares solitários?!
- Os vinhos são para mero deleite, vizinha. E namorada eu ainda não tenho.
- Ah... Também gosto do Pérgola, eu vi pelas garrafas que joga no lixo; mas, prefiro com apenas duas pedrinhas de gelo. Quanto a música: Rock é bom, mas, cairia melhor um bom tango,  ou uma musiquinha romântica. O que acha?
- Isso depende. Talvez você possa me ensinar como se faz.
- às oito, na sua casa. Mas só se você me fizer um poema de amor.
- Sobre o poema, conversamos à noite.
- Bom dia, vizinho.
- Bom dia, vizinha.

E ambos saíram com os olhos refletindo o belo dia que nascia. 

quarta-feira, 1 de junho de 2016

O SILÊNCIO À HIPOCRISIA

O ser humano é antes de tudo hipócrita. Certamente que estas palavras são bastante fortes, mas, são reais. Vivemos numa sociedade onde impera a hipocrisia humana, onde muitos de nós não cumprem a palavra dada, onde já não existe mais o "valor do bigode e do aperto de mãos", onde prevalece a lei do "Faça o que eu digo, não faça o que eu faço". E, assim, vamos seguindo a vida, criando (muito mal) os nossos filhos, elegendo (pessimamente) nossos representantes políticos, construindo ( sem qualquer zelo) o nosso futuro.

Não sei ao certo em que ponto do caminho nos perdemos ( em grande parte), mas, sei que, até hoje, muitos de nós ainda não conseguiram se encontrar. Não cairei no chavão de afirmar que "antigamente era melhor", mas, certamente, não estamos fazendo a coisa do jeito certo, muito embora nem mesmo eu saiba qual seja o jeito certo.

Hoje já não se chamam mais os pais de "senhor" e "senhora"; já não se pedem as bênçãos; não se agradece ( aos pais e a Deus) pela refeição recebida; já não se diz mais "Com licença", "por favor", "obrigado". Hoje estamos todos cheios de "mimimis" e já não se pode mais expor a sua opinião sincera, se ela for contrária à opinião da grande maioria, ou dos meios de comunicação de massa. Já não se pode mais ser você mesmo, a não ser que você seja o que o outro deseja.

Não é que tudo esteja errado; mas, convenhamos, muita coisa não está no rumo certo. Antes de criticar este texto, pare um pouco e pense. Veja que o futebol já não comporta mais duas torcidas num mesmo estádio, pois, corre-se o risco de as pessoas se matarem; no trânsito já quase não se vê mais gentilezas entre motoristas e pedestres; nos bairros já não existem mais cadeiras nas portas de casa ou pessoas sentadas nos passeios, conversando amenidades. No nosso convívio diário, já não existe mais o poder do diálogo ( não na sua essência), afinal, o que prevalece é a opinião do mais truculento, do menos solícito à discussões.

Na vida atual, com todas as suas nuances e incertezas, muitos preferem o silêncio à hipocrisia. talvez seja mesmo o melhor a se fazer: calar-se e esperar que o outro compreenda ( sabe-se lá como) que talvez aquela ideia que lhe venha a mente não seja a única a se aceitar. Ou então, seja forte, tenha argumentos plausíveis e paciência para tanta ignorância; pois, com certeza, será uma batalha épica a ser travada. E, entre mortos e feridos, talvez se encontre o verdadeiro poder do diálogo e da liberdade de expressão, numa sociedade cada vez mais hipócrita e superficial. E tenho dito! ( Em tempo, aceito opiniões contrárias).