sábado, 31 de março de 2012

COINCIDÊNCIAS

                Enquanto escrevo esta Crônica, ouço o programa do Acir Antão, na Rádio Itatiaia. O sol amanheceu bastante quente, convidativo a uma boa praia,acompanhada de uma cerveja geladíssima. O problema é que em Minas não tem praia e, durante a Quaresma, estou passando longe de uma geladíssima. Por isso, contento-me apenas em escrever este texto, o único vício que me anda consumindo o tempo.
                       Hoje tem jogo e o Renato já anda se preparando para ir à arena, assistir à, segundo ele, mais uma vitória do seu time. O Léo amanheceu meio que com a pá virada e, numa hora dessa, está tomando uma cervejinha e ouvindo o Antão. O Júnio ainda deve estar no Pará, a trabalho, com saudades da esposa, do bebê e dos cachorros, que ficaram em casa, também com saudades dele.
                       A vida é mesmo uma grande coincidência. A essa hora da manhã e tantas pessoas, em lugares diferentes, interligados por um mesmo motivo: a escrita de um mero texto. Diz o Lara que na vida não existem coincidências, mas incidências sobre outras incidências, o que dá na mesma, ou não? O certo é que estamos todos juntos, conversando pelo Twitter, pela internet, durante todo o dia, e, enquanto isso, em algum lugar do planeta, coincidentemente, alguém haverá de ler estas palavrasdesconexas e gostará. Ou não?

quinta-feira, 29 de março de 2012

O CHORO DA MENINA


O CHORO DA MENINA


O sono, para algumas coisas, ainda é o melhor remédio. Um friozinho dengoso entra pela janela e, ao longe, uma grande nuvem negra dá o ar de sua graça; daqui a pouco cairá uma chuva daquelas. Deitada na cama, a menina chora. Não por causa de um namoro terminado ou pela morte de algum ente querido; chora por que sente vontade e isso lhe dá prazer.
Não me venham com preconceitos! Há vários tipos de se chegar ao prazer. Algumas pessoas o sentem fazendo sexo, outras através da bebida, por via dos esportes radicais e outros, ainda, sentem prazer em não fazer nada; simplesmente ficam assentados em um sofá, olhando para o teto, sem nada a lhes perturbar a mente. Aquela menina não. Não tem idade para sexo – é ainda uma criança; nem para beber ou para os esportes de ação e nunca fora de ficar muito tempo parada, nem de estátua gostava de brincar.
A mãe já a levara ao médico. O homem, com jaleco e óculos, munido de caneta e receituário, indicou remédios, tratamentos; disse que era depressão, das fortes; que se não cuidasse logo poderia levá-la a alguma besteira. A mãe ficara assustada, mas ela não se importou; sabia que não tinha doença alguma, simplesmente tinha uma imensa vontade de chorar, e chorava, fácil assim. Além do mais, ela mesma sabia o seu remédio: dormir.
Eis que a menina chorava copiosamente, por horas a fio; até que pegasse no sono. Depois de dormir por um bom tempo, levantava-se e prosseguia com a sua vida como se nada tivesse acontecido; o que, de fato, era verdade: nada houvera acontecido. A mãe demorou a acostumar-se, mas foi convencida pelo marido que, quando jovem, tinha mania parecida com a da filha. Não chorava, mas trancava-se no quarto e deitava-se na cama, punha-se a olhar o teto, até que adormecesse feito um inocente.
Agora, lá está a pobre menina; chorando copiosamente, como se uma grande catástrofe houvesse acontecido. Na cozinha, a mãe prepara o jantar; na sala, o pai assiste à novela das dezenove horas e lá fora, já não tão longe como antes, a nuvem negra, toda pesada, arrasta-se lentamente, cheia de vontade de estourar e dar um banho na sociedade.

quarta-feira, 28 de março de 2012

SIGA A SETA


SIGA A SETA

AO AMIGO CHELONI

O título não poderia ser mais preciso (Este é de autoria de Otto Lara Resende, falecido grande colunista, nascido em Minas Gerais, em 1922 e morto no Rio em 1992; cujas Crônicas leio e releio várias vezes sem o mínimo tédio ou preguiça.), este fala sobre assunto bem distinto do que tratarei neste meu escrito.
Ainda há pouco conversava, via Twitter, com meu amigo Renato Cheloni e o mesmo afirmou não conhecer a minha cidade. Não admirei o desconhecimento, apesar da mesma já contar com seus quase cem anos de emancipação, pois, como bons mineiros, somos discretos e avessos às badalações.
Trata-se de uma cidade pequena, tipicamente interiorana, meu caro Cheloni. Possui cerca de vinte seis mil habitantes (Números imprecisos, devido à minha preguiça de ir aos números oficiais); não tem maiores atrações ou acontecimentos a serem narrados, a não ser o fato de ser a capital norte-mineira da vaquejada; de ter sido o local onde se encontrou o maior fóssil de dinossauro do Brasil (ou seria da América?) e, de acordo com estudiosos, de ser dona de grande quantidade de gases e, talvez, de petróleo.
Eis, portanto, a pequena Coração de Jesus. Uma jovem senhora, ainda tímida e recatada, mas com grande potencial para o crescimento, para o progresso. Também há de se afirmar o fato de haver aqui grande número de escritores, poetas, pintores, cantores, artesãos e todo o tipo de artistas que se pensar. Os preconceitos existem, afinal, também existem aqueles que acham que tudo isso seja perda de tempo...
Existem, também aqui, os loucos que perambulam pelas ruas, os velhos que contam fatos passados, os jovens que cursam faculdades, as moças que namoram sem medida e os casais que namoram no portão. O sol, também nesta cidade, nasce a leste e se põe a oeste; às vezes chove, às vezes não; De vez em quando faz frio, mas o calor é bem mais intenso e interessante...
Aqui, meu amigo, passam carros, motos e, vem ou outra, aviões; passam pessoas a cavalo, de bicicleta e a pé. Existem cachorros, gatos, pássaros e outros tipos vários de animais. A vida passa devagar, as pessoas vão devagar, mas, contrário ao que disse o poeta: a vida não é besta; pois o coração de Jesus é aqui.
São cem anos de histórias, de perdas e ganhos, caminhando mineiramente, timidamente, em busca de um lugar ao sol. E, caso queira mais informações, apareça para um café, regado a bolo de fubá, mingau de milho verde, broa e pão-de-queijo ou, se preferir, acesse o Google e SIGA A SETA!

NOS TEMPOS DA ESCOLINHA



A escolinha ficava à Avenida Montes Claros, próxima ao hospital. Tinha umas seis salas, todas desproporcionais, umas enormes e outras minúsculas e o único filtro com água ficava dentro de uma delas, assim, os alunos sedentos tinham que adentrar a sala de aula de uma outra turma, em meio a uma explicação da professora, a fim de saciar a sua sede.
A merenda é uma das poucas coisas das quais não me esqueci. Ora era sopa de letrinhas, arroz com feijão ou leite com Quic (um tipo de achocolatado, com gosto de morango). Não havia café da manhã. Chegávamos às sete; guardávamos o material nas salas e íamos para o pátio, para que se hasteasse a bandeira enquanto cantávamos o Hino Nacional. Sempre havia uma mensagem para ser lida. Lembro que eu lia com freqüência e, invariavelmente, ganhava um beijo da diretora.
As professoras tinham sempre o mesmo perfume: perfume das professoras. Hoje não; cada uma tem o seu cheiro particular, geralmente um perfume de marca, comprado em consórcios de revistas. Minha primeira professora foi a Dona Benedita e a única lembrança que tenho dela é uma foto de formatura, do pré-escolar, em que ela aparece com o pescoço de girafa, talvez olhando um acontecimento ao longe. Depois vieram Dona Raimunda, Dona Sérgia e Dona Dilma. Esta era irmã da segunda e ainda hoje não sou capaz de distingui-las, embora uma tenha o cabelo loiro e a outro negro.
Dona Sérgia foi a que primeiro me fez escrever de verdade. Era um livreto, cujo título era “Minha Pátria”. Todos os alunos da sala fizeram um exemplar e, depois, expusemos no saguão do Banco do Brasil. Foi naquele dia que recebi o primeiro elogio por conta de uma produção minha.  Muitos textos vieram tantos, já os elogios não tão freqüentes. Dona Dilma já fora em uma outra escola, mas foi aqui lembrada pela semelhança com a irmã; esta que, por sinal, fora minha professora durante muito tempo, nos três primeiros anos fora do pré-escolar.
Tempos bons aqueles, em que não havia preocupações, problemas, não havia outras realidades que não fossem a infância e suas fantasias. Hoje levo a minha filha na escola, a mesma que estudei, embora esteja num outro endereço, e procuro pelas minhas educadoras; cheiro forte aquele ar, talvez na esperança de reencontrar o perfume das professoras, o cheiro da merenda daqueles tempos. Tolice de uma infância perdida; não existem mais aqueles cheiros, tudo se perdeu, até mesmo a magia que nos fazia acordar de manhãzinha para ir à escola.
Talvez nem mesmo esta magia existisse. O que havia era apenas a poesia que crescia dentro do meu peito pueril a espera de que em algum momento pudesse despertar e saltar para fora, em busca de um porto seguro onde pudesse se expressar. Ainda assim espero que, um dia, minha filha possa olhar para trás e perceber o quanto era bom chegar na sala de aula e sentir o cheiro forte do perfume da professora, o cheiro  e  o gosto da merenda e o prazer das novas descobertas, dentro de um mundo mágico, o mundo da escola.

terça-feira, 27 de março de 2012

BAÚ DE SAUDADES


BAÚ DE SAUDADES



Mário Quintana, um grande poeta gaúcho, escreveu, em última hora, um livro denominado Baú de Espantos. Versava sobre a vida, seus encantamentos e, principalmente, sobre o seu desassossego ante a vida e suas intermináveis surpresas. Por isso, talvez, fizera versos encantadores, ao mesmo tempo incrédulos e esperançosos, numa eterna contradição. Mas, quem somos nós para falarmos de contradição; seres tão paradoxais, contraditórios, seres tomados de pura poesia.
Minhas Crônicas não têm a pretensão de um Quintana. Querem apenas recontar a vida, do meu modo, da maneira que a vejo e vivo. Minhas Crônicas pretendem apenas retratar os sentimentos, os encantamentos, as saudades do meu peito. Saudades que se fazem em forma de poesia, de lágrimas, de sorrisos, em forma de palavras desconexas, despudoradas; palavras jogadas bruscamente ao léu, ao deus-dará, aos ventos do destino.
O poeta construía o seu texto durante todo o dia; labutando, esmerando as palavras e os sentimentos, como se fosse um ourives a trabalhar a mais fina aliança; não entre pessoas, mas um elo entre o homem e o seu sentimento, o pecado e a pureza, a vida e a morte. Eu, por preguiça ou pela pressa de me expressar, não trabalho, não expresso, apenas escrevo, toscamente, e deixo que as palavras se organizem por si mesmas, como se já estivessem prontas, acabadas, amadurecidas pela vida.
Ele sofre para parir e depois guarda cada uma de suas crias dentro de um grande baú de espantos. Eu não sofro, não trabalho; apenas escrevo-as e jogo dentro do meu baú, uma redoma fria e tétrica, onde não há esperança, encantamento ou surpresas, apenas um baú de saudades; tomado por rememoranças de tempos idos, onde tudo era igual o presente, mas que, tolo, insisto em pintar paradisíaco, numa eterna nostalgia.
Pobre poeta e seu baú de surpresas. Não sabe ele que a vida nada mais é que apenas uma interminável repetição, um grande caminho que circundamos sempre na esperança de que algum dia o destino mude e alguma surpresa aconteça de verdade. Nada acontece e, então, olhamos para trás, com a vazia sensação de que tudo poderia ser diferente. Ledo engano!

segunda-feira, 26 de março de 2012

SOBRE FANTASMAS E E.T.s

         Fantasmas existem; e isto é certo. São vários os casos de almas penadas, assombrações e outros entes que viem a atormentar as nossas noites. Já foram em maior número e com muito mais poder, mas alguns fortes e bravos seres insistem em continuar. Não; não sei o porquê de estarem por aqui. Alguns, mais entendidos, afirmam que são pessoas que morreram antes do tempo e, por não estarem preparados para a passagem, persistem por cá.
         Eu, da minha parte, nunca parei para pensar seriamente sobre o assunto, preferindo continuar com a minha santa ignorância. Aqui na cidade, por exemplo, tem o caso da luz que, ora ou outra, aparece no meio da estrada e vai acmpanhando o viajante até que ele chegu ao seu destino; tem o cavaleiro que cavalga por toda a noite sem ser visto por ninguém; as pedras e panelas que voam dentro de casa; o Chup-cabras; a lora do cemitério...
        São muitas as histórias de almas penadas, assombrações, fantasmas e coisas do gênero. Nunca os vi; no máximo uma luz que passou por mim, numa noite de lua cheia, bem rente a minha cabeça e se foi. Talvez fosse um cometa, uma nave espacial. Não; também não acredito em naves espaciais. Acho que se algum E.T. quiser vir no visitar, haverá de vir por teletransporte, não se esquecendo antes de telefonar, mandar um telegrama ou, quem sabe, um e-mail confidencial. 

ALGUMAS FOTOS





UMA HISTÓRIA TRISTE


UMA HISTÓRIA TRISTE



Paçoca de carne seca era o almoço daquele dia, um pequeno punhado que alguém lhe dera. O pensamento dele sempre voando, olhando para o caos que se formava à sua volta, os prédios enormes, os carros fumacentos, as pessoas apressadas. Ao seu lado um velho violão, o qual ele nunca tocara e nem mesmo iria tocar, por não saber e não lhe houver qualquer apreço pelo instrumento. Aquilo fora um presente de algum transeunte, que o vira sentado à beira do caminho e resolvera presenteá-lo, talvez por pena ou, quiçá, por ódio do violão.
Ele passava todo o dia sentado naquela calçada. Não pedia, nunca tivera coragem de fazê-lo; deixava apenas o pires do lado e quem quisesse que colocasse a sua esmola. Não olhava para quem passava, ficava sempre de cabeça baixa, ora cochilando, ora lendo um livro. Estes, aliás, eram seus únicos companheiros. Geralmente dados pelas pessoas que passavam; livros velhos, mas que sempre lhe traziam novas histórias, novos sonhos, novas esperanças.
Fazia uns dez anos que perambulava pelas ruas e já havia lido vários enredos interessantes. O primeiro, e deste lembrava-se bem, fora um grosso exemplar de “OS SERTÕES”, de Euclides da Cunha, que contava a história de um velho doido que era seguido por vários sertanejos e a quem chamavam de profeta, um tal Antônio Conselheiro. Depois vieram mais de uma centena, mas o que mais chamara a sua atenção foi “Vidas Secas” de Graciliano Ramos; uma história triste, mas bastante verdadeira, quase que um retrato de sua vida, seca, sem vida, sem passado, apenas o presente e a esperança de algum futuro.
Enquanto as pessoas passavam, ele lia. E, enquanto lia, viajava, fazia planos, sonhava o futuro. As imagens misturavam-se em sua mente e um personagem ia sobrepondo-se aos outros; assim, Madame Bovary contracenava com Bentinho, com Amarante Úrsula, com Ana Terra, ora no sul do país, em São Paulo, Rússia, num país imaginário que nem nome tinha. E tudo se misturava, destruía-se, reconstruía-se, infinitamente, até que ele adormecesse.
Numa tarde, enquanto o sol brilhava intensamente, entregaram-lhe um livro estranho, com aparência triste; era de um alemão com um nome estranho, algo parecido com Goethe. Contava uma história apaixonada, triste, trágica; a história de um rapaz apaixonado, que, por não ter o seu amor correspondido, cometera suicídio. No início, reluta. Não lê; deixa-o jogado a um canto. Mas o tempo passa, a curiosidade aumenta e ele o pega para ver a capa...
Passaram-se alguns dias e ninguém mais o vira. Sumiram-se os livros, o pires, o homem todo sujo que sempre estava de cabeça baixa e nunca olhava nos olhos. O que restaram naquela calçada foram somente as histórias que assustavam os que por ali passavam e, dizem, que nas noites de calor intenso, ainda, hoje é possível enxergar um homem sentado, naquele mesmo lugar, com um livro triste nas mãos, escrevendo uma carta e chorando rios de lágrimas.
Sumiram-se os livros, o pires, a sabedoria daquela calçada. As pessoas continuam passando por aquela rua, mas, nunca, ninguém prestou a mínima atenção, numa cartinha toda suja esquecida naquele canto. Era uma carta apaixonada de um homem triste; ecos de um amor não correspondido.

sábado, 24 de março de 2012

O BEIJO DO MUNDIAL

       Em 2002 o Brasil tornou-se penta-campeão mundial de futebol e isso não é segredo para vivente algum. Nesta época eu contava dezenove anos de idade e cursava o curso de Letras na Unimontes, mas isso não vem ao caso. Fato é que toda a vizinhança havia combinado de assistir ao jogo no boteco do meu pai. Para que isso fosse possível, seria necessário bloquear a rua de uma esquina à outra e colocar os bancos e as TVs na porta da rua.
         Levantamos às Cinco da Matina, pois o jogo seria às oito. O adversário seria a forte Alemanha, com o goleiro Kahn como principal estrela do time e melhor jogador do mundial. Não houve jogo. O Ronaldo - Fenômeno - não permitiu. Acabou logo com o adversário e pronto. Mas isso também não vem ao caso; afinal, o jogo era o de menos.
        A melhor parte daquele dia foi ter levantado às cinco horas da madrugada; pintar toda a rua com cal e adornar com bandeirolas e balões; carregar todos os bancos e os televisores nas costas, só para ver toda a algazarra em torno de um jogo de futebol. Vencemos os alemães, mas, sobretudo, derrotamos a tristeza e a mesmice dos dias interioranos e, para terminar com chave de ouro, ainda presencie o beijo apaixonado do meu vizinho bêbado no capitão Cafu, enquanto este levantava a taça do mundial.
         Depois deste o Brasil não venceu mais o Mundial. Pelo comando estrelado passaram o Dunga, o Parreira, o Zagalo, o Mano. O Fenômeno, o Cafu, o Marcos e tantos outros já se aposentaram, mas o meu vizinho, coitado, já está de bico seco de tanto esperar mais um título Mundial!

DESABAFO ARTÍSTICO

      É incrível como as nossas ideias de utilidade e futilidade possam caminhar lado-a-lado, numa linha tão tênue. Por estar sem internet em casa, faço minhas Crônicas sempre na mesma Lan House; talvez por mania ou, quem sabe, por mera adaptação. O certo é que, assim como o meu amigo escritor Levi Lafetá, utilizo sempre a mesma máquina, a mesma cadeira, na mesma Lan.
        Mas, na segunda-feira, aconteceu-me um fato inusitado. Conversando com a atendente do local, sobre, entre outros assuntos, o vício de escrever para este Blog; ela disse que utiliza a internet apenas para coisas úteis. Calei-me e fui para junto à máquina, a fim de escrever o texto daquele dia. Fato é, porém, que aquelas palavras não sairiam de minha cabeça.
        O que seria o útil e o fútil. Será que todas as mais de 170 Crônicas que escrevi neste espaço foram todas inúteis? Será que os escritos de Drummond, de Vinícius, de Bandeira, de Levi, as charges do Mata... tudo isso foram coisas inúteis. Fiquei inculcado com a ideia de que em minha minúscula cidade, onde a maioria dos habitantes pratica algum tipo de arte: música, poesia, artesanato, pintura... ainda haja espaço para o pensamento retrógrado de que a arte seja futilidade.
        No texto de ontem falei sobre as duas crianças que, mesmo sem me conheceram, pediram a bênção. Hoje, paradoxalmente, falo sobre uma moça, em plena capacidade mental, que desconhece as utilidades da arte. Enrolo-me todo em meus pensamentos e volto a duvidar: Será que a vida ainda tem jeito? Será que ainda temos um caminho certo a seguir? Não sei ainda a resposta e, talvez por não sabê-la, continuo a escrevinhar minhas humilíssimas Crônicas.

sexta-feira, 23 de março de 2012

A BÊNÇÃO

          Dia cansativo, com os alunos agitados. Terminada a hora do serviço, fui embora. Estrada ainda úmida pela chuva de ontem e a moto deslizando leve, como se tivesse pressa de chegar. Passando pela Vacaria, uma pequena comunidade, onde há algumas semana tomei a queda que neste blog relatei, o jeito era andar devagar; descida brusca, pé no freio, negando sempre das pedras e dos buracos indescentes.
         À minha frente, duas crianças descem pela estrada íngreme. Uma menina loira, de uns seis anos de idade e um menino moreno, de mesma idade e com um dos pés descalço, com a sandália numa das mãos, ambos com mochila nas costas. A menina a um canto e ele no meio da estrada. Ao me ver, deu um pulo e disse: "Bença", sendo prontamente repetido pela menina.
         Bênção, palavra bonita que talvez signifique graça ou proteção - quis olhar no dicionário, mas faltou-me tempo, até aqui.- Comecei, então a me lembrar dos tempos de criança: ao dormir, pedindo a benção aos pais e terminando com um "Dorme com Deus"; depois do almoço, dizendo agrdecido um "Deus te ajude" e, sempre, ao chegar ou sair, pedindo a "Bênça". 
        Posso parecer piegas ou antiquado, mas os tempos são outros. Na rua, nas escolas, em casa, na maioria dos lugares, não se chamam mais os pais de SENHORES, não se pede mais a BÊNÇÃO, não se diz mais um DEUS TE AJUDE ou DEUS LHE PAGUE. O que se vê são apenas brigas, maledicências e hipocrisias. A vida anda, de fato, uma perda de tempo, com tanta evolução, tanta tecnologia, tanto desrespeito ao próximo e a si mesmo.
       Apesar de tudo isso, de todos os desencantos, ao ver aquelas duas crianças inoncentes, às quais não conheço e que, por isso, não haveriam de ter qualquer consideração a mim, repenso os meus conceitos e digo que O MUNDO NÃO ESTÁ PERDIDO, A VIDA AINDA TEM JEITO e, já quase chegando ao final da descida, viro-me para ambos e digo com o coração aos prantos - de alegria - DEUS LHES ABENÇOE!

quinta-feira, 22 de março de 2012

DOIS MUNDOS

    Convicto de sua inocência ele atropelou o pobre rapaz. Passou por cima, como se aquele fosse apenas um pedaço de pano velho, e foi embora sem nem ao menos olhar para trás. Foi para casa, para o conforto do seu lar, sob as asas quentes dos seus pais, enquanto o corpo permanecia imóvel no asfalto ainda quente e os pais choravam a perde de um ente querido.
     Depois vieram os advogados, cada um com sua mala negra e seus pensamentos judiciais. Fizeram a interpretação do caso, conferiram as laudas, deram o acontecido por encerrado; enquanto numa salinha apertada de uma casinha qualquer, uma família sentia a falta terrível de um filho, de um irmão, de um ente querido. A morte fazia a sua ronda noturna.
     Os seguranças não o deixavam respirar; não podia ver e nem ser visto, apenas o peito lhe doía; e era uma dor forte, quase insuportável. Não era dor de pancadas ou outra coisa tátil, era dor de sofrimento, remorso, culpa. Mas, eis que os advogados vieram, vieram os seguranças, os pais e a imprensa, todos a fim de confortá-lo.
     Enquanto isso, numa casinha suburbana, uma mãe rezava para Nossa Senhora, pedindo que guiasse o caminho do filho na eternidade, e aproveitava-se para perdoar quem o matara; não sentia mágoa, ódio ira, apenas uma dor forte no peito, que ela sabia, nunca haveria de cessar.

quarta-feira, 21 de março de 2012

A CHUVA E MEU MEDO

A CHUVA CAI
E OS PÁSSAROS CANTAM
TUDO TÃO SIMPLES
TÃO FÁCIL
QUE TENHO MEDO DE ACORDAR!

SEMPRE A MESMA HISTÓRIA

SEMPRE A MESMA HISTÓRIA 


     - O que você vai ser quando crescer?
     E esta pergunta criou raízes em sua mente. Já não comia, não brincava, não dormia. Apenas a pergunta, sendo matutada em sua mente: “O que você vai ser quando crescer?”. Um dia, quando ainda era muito pequena, quis ser médica, salvar vidas, fazer o bem; depois, queria ser bancária, ganhar muito dinheiro; num outro dia, seria empresária, dona de uma grande loja de cosméticos... 
     Queria ser muitas, várias de uma só vez: cantora, modelo, atriz, dentista, professora... Era melhor perguntar à sua mãe. Ela era velha, já devia ter pensado no assunto: 
     - Mãe, o que a senhora queria ser quando crescesse?
     - Bailarina. Ah!
     - E por que não foi? 
     - Os tempos eram outros; eu era pobre... Depois veio o seu pai... Você...
      - Ah, ta!
      Mas não estava. A mãe não a ajudara; não queria ser bailarina. Não sabia dançar nem um sertanejo sequer! Era melhor perguntar para o seu pai. Ele devia saber:
      - Pai, o que o senhor queria ser quando crescesse?
      - Eu... Anh... Pintor. 
      - E por que não foi? 
       - É uma longa história, filhinha. Mas, depois eu me casei... Você chegou e...
       - Tudo bem. 
       Não, não estava tudo bem. Os pais não eram nada do que haviam sonhado e, pelo jeito, a culpa era toda dela. Se ela não tivesse nascido!... Não pensaria mais em que seria quando crescesse. O jeito agora era não ser mais a filhinha deles. Amanhã haveria de tomar uma decisão; sairia de casa, iria morar com a vó, ela sim sabia o que queria ser quando crescesse. 
        ...
        - Vó, o que você queria ser quando crescesse?
        - Eu queria ser enfermeira... Mas, daí veio o seu pai... Você...
        - Sei, vó. Eu já ouvi esta história!

terça-feira, 20 de março de 2012

VIAGEM


VIAGEM

Enquanto a moto corta a estrada enlameada, penso. Viajo junto da moto e transporto-me para longe; filosofo, crio situações, histórias; prevejo o futuro; recrio o passado. A estrada passa rápido; a água barrenta voa, suja a moto, minha roupa, minha alma.
Hoje recriei o centenário de minha cidade. Relembrei os mortor de coisas e criaturas. Mas, descrente de tudo, desolado e sem perspectivas, desfiz-me, por inteiro, em pequenos pedaços, apenas para me refazer, segundo a ótica do mundo. E cheguei ao fim. s, os criadores da urbe; os destruidores dela. Desfiz suas casas, suas ruas e morros, só para depois construir tudo de novo, com o meu jeito, a minha cara, a minha alma.
Hoje pensei o povo corjesuense, suas nuances, seus problemas. Desfiz-os todos e reconstruí cada um, à minha maneira, sob a minha ótica transviada; até que o tempo passasse, a vida voasse e o destino se fizesse por estas paragens.
Pensei, destruí, criei, recriei. Transmutei-me em escritor, criador de coisas e criaturas. Mas, descrente de tudo, desolado e sem perspectivas, desfiz-me, por inteiro, em pequenos pedaços, apenas para me refazer, segundo a ótica do mundo. E cheguei ao fim.

segunda-feira, 19 de março de 2012

NUMA TARDE DE FRIO


NUMA TARDE DE FRIO



Tarde fria e mesmo assim os estudantes esperam o ônibus. Ela não espera o ônibus, espera a noite. Uma noite fria, solitária, triste como todas as outras. Não tem esperança, pois sabe que será a escuridão a sua única companheira. Companhia antiga e fiel, que sempre estivera ao seu lado, entendera os seus problemas e, acreditem, até mesmo já lhe deu conselhos.
Já quisera ter um cachorrinho, quem sabe até um gato. Melhor não; animais bagunçam, barulham, sujam a casa. Melhor mesmo é a solidão, com sua silenciosa compreensão. De onde está, debruçada na janela, observa os estudantes, cada um com sua juventude, todo o viço a transpirar pelo corpo, os hormônios em efervescência, a vida em ebulição. Sente saudade, tem vontade de voltar, de chorar; mas sabe que nada disso resolverá.
O sol se esconde detrás dos morros. Vai devagar, cerimoniosamente, se escondendo, abaixando, adentrando as serras, por trás dos pés de eucalipto. Um dia ela sonhara em subir aos céus. Não como astronauta, nem como pássaro ou anjo; queria subir pelos braços de um grande amor. Não conseguiu e, depois disso, desistiu de viver.
Já tivera um grande amor. Ele era lindo, alto, loiro, de olhos azuis, voz firme, bonita, era um gentleman, como eram os artistas de cinema. Chegou numa manhã de sol, num majestoso cavalo branco; prometeu mundos e fundos, jurou amor eterno; levava-a para passear, tomar sorvete, ver o pôr-do-sol... Era o amor da sua vida. Mas um dia, numa tarde de chuva, tudo isso se acabou. A barriga estava grande, a barba por fazer, os cabelos por cortar... Subiu num caminhão e partiu para nunca mais voltar.
Não quisera mais ir aos céus. Jogou todos os livros fora: Ágata cristie, Sidney Sheldon, Drummond, Paulo Coelho, Manuel Bandeira, Érico Veríssimo. Nem ao menos os jornais lia mais; não assistia novelas; não ligava o rádio. Ficava na janela apenas, até que a noite caísse por inteiro. Talvez a espera do grande amor que se fora; quem sabe se a esperar um novo amor. O certo é que ao anoitecer ela se recolhia, apagava as luzes e tudo silenciava.
O único gemido que se escutava, nas altas horas da noite, era um gemido que nunca ninguém conseguiu distinguir. Não se sabia se era de dor ou prazer, de tristeza ou alegria. Numa noite fria, depois que os estudantes subiram e o ônibus partiu, ela fechou a janela. Nesta noite não houve gemido, apenas o barulho triste de um caminhão que chegava lentamente, parava em frente a sua porta e, depois, partia. Ninguém mais a viu. Ninguém mais sobre do seu paradeiro. Ninguém mais prestou atenção às tardes de frio.

REFLEXÕES MATINAIS

REFLEXÕES MATINAIS


      Mais um dia de chuva. Os pássaros, apenas alguns poucos pardais, barulharam logo cedo à minha janela. O cheiro do café coado vinha saboroso da cozinha e junto dele o cheiro da terra molhada, vinda lá do quintal, junto à mangueira e o laranjal. O pé-de-acerola fica mais para o fundo, perto do córrego que passa rente às terras do meu compadre.
     A cama ainda estava quente do lado dela. Era ela quem preparava o café, se bem que a empregada poderia muito bem fazê-lo. Desde que estava em casa, preparava o café e trazia no quarto, onde tomávamos e depois brincávamos, até que o Juca me viesse chamar para a lida no campo. Minhas manhãs ficaram melhores, mais quentes e preguiçosas ao lado dela. 
     Sim. A mulher do Arnaldo ainda está em casa. Não; não sei ainda do paradeiro do sujeito. As notícias chegam desencontradas, algumas dizem que ele está pelos lados do Bom Jesus da Lapa; outras que ele anda tocaiado por essas bandas mesmas, a esperar por um descuido meu. Há, ainda, aquelas que dizem que ele esteja morto e que a assassina é a esposa. Nesta última não acredito, embora uma pontinha de dúvida, vez ou outra, me ataque. 
      Hoje a mulher do Arnaldo levantou ainda escuro. Fez o café e trouxe até o quarto. Notei que estava estranha, meio arredia, pensando longe de nós. Pensei que pudesse estar com saudades do Arnaldo, mas não disse nada; melhor não remoer o que esteja no passado. Fiz-lhe alguns carinhos, mas, rapidamente, ela foi se esgueirando. Não retruquei; fiquei a olhá-la apenas, a espera que me dissesse algo. Não disse e ficamos ambos calados.
      A verdade é que o homem ainda nos assusta. Meus dias ficaram mais bonitos, mas, ao mesmo tempo, ficaram mais temerosos. O Arnaldo desapareceu, mesmo assim continua no meio de nós. À noite ela tem pesadelos, grita, chora e diz que não tem culpa naquilo. Não sei de que se trata, qual o seu sonho, mas temo que seja relacionado ao meu amigo. 
       O cheiro do café ainda é forte e ela ainda está na cozinha. Deve estar lavando as vasilhas, enquanto chora silenciosa. Fico a pensar em que pensa, se em mim, no Arnaldo ou em algo alheio a ambos. Confesso; tenho ciúmes dela. Não com o Arnaldo, mas com outro; Talvez um terceiro, algum outro amigo e... reflito... se ela fizer comigo o que dizem ter feito com o meu amigo?...