quinta-feira, 30 de março de 2017

DESEJO

Ao contrário de Drummond
Guimarães e Quintana,
Eu não sou poeta.
Queria um dia,
                    Quem sabe eu,
Escrever poesias
Com palavras bonitas
Que tocassem direto
Mesmo o dorido coração.
Queria ainda, 
                  Quem sabe eu,
Falar à tinta escura
Bem no íntimo de cada ser
Descortinando as belezas
Que desnudam esta vida.
Queria apenas eu
            Por não ser poeta.
Não sei escrever poesias
Fazer rimas ou canções
E nem mesmo
               Metrificar sei eu
Os mínimos versos
De um poemeto qualquer.
E por não ser poeta
Perambulo pelas linhas
Tortas e sinuosas
Sem saber aonde ir
                  Como seguir
E
                  Nem mesmo,
Pobre de mim,
Sem saber quando parar.

JULIANA

        Deu num jornal, em 1970, que “Juliana nasceu tricampeã”. Era uma pequena nota a um canto da folha, que tinha como centro uma grande fotografia da taça Jules Rimet, que, segundo consta, o Brasil obteve o direito de trazer para casa após vencê-la por três vezes, mas, que, algum tempo depois, fora furtada e derretida, sem que nunca mais se tivesse qualquer notícia fidedigna.

       Da taça não se teve mais notícia, assim como também não se publicara qualquer nota sobre Juliana. A menininha, que aparecia deitada numa cama de hospital ao lado de sua mãe, tornara-se uma mera desconhecida em meio a tantos brasileiros e, crudelissimamente, nenhuma vivalma jornalística tivera o interesse de reencontrá-la, saber da sua vida, dos seus sonhos, ilusões e desilusões.

          Se viva estiver, a criança tricampeã do mundo em 1970 contará hoje os seus quarenta e sete anos de idade. Diante das tantas crises pelas quais o Brasil tem passado nessas quase cinco décadas, certamente, Juliana já terá alguns cabelos brancos e deve estar acima do peso, pois assim estamos quase todos os brasileiros.

         Aquela menina já deve ter filhos e, com a precocidade dos nossos filhos, talvez já seja avó de um ou dois netinhos muito fofos. Pode ser que seja casada, viúva ou, como de praxe atualmente, seja separada e já esteja namorando, ou amasiada com algum outro sujeito. Pode ser que seja uma senhora de classe média, mas, creio eu, é bem provável que more em algum subúrbio carioca ou de São Paulo.


          Tudo isso são apenas suposições. Resta-me a esperança de que este texto encontre Juliana repleta de saúde, que ela tenha sido muito feliz nesse quase meio século de vida e que ela saiba que junto dela, naquele dia, também nasceram muitas esperanças no coração de cada brasileiro. É bem verdade que muitas ainda não se concretizaram, mas, como dizem: A esperança é a última que morre.

domingo, 26 de março de 2017

HINO À SÃO JOÃO DA LAGOA

Salve São João d Lagoa
Nobre recanto de Minas
Terra em que a luta povoa
E os sonhos à vida ensina

Do monte à urbe se avista
E o verde campo a brilhar
Lavouras cheias de vida
E o gado sempre a pastar.

Salve São João da Lagoa
Cujo espelho é seu mar
O mártir João abençoa
A água do rio a brotar

E o futuro chega enfim
Pela alva estrada a cantar
Tecendo no tempo assim
O julgo de se arraigar.

Salve São João da Lagoa
Terra que à vida cativa
E os nobres cantos entoa
Na d'oura sombra nativa.

sábado, 25 de março de 2017

MENINOS

Sentado debaixo da mangueira, o menino observa os outros meninos brincando de bola. Sempre gostara de futebol, mas não sabia jogar. Ainda tentara, mas, era sempre a mesma coisa: se mirava para um lado, a bola ia para outro; se ficava de goleiro, as bolas passavam sem qualquer piedade. Já fora goleiro, zagueiro, lateral, meia, atacante. Depois, resolveu não ser mais nada; por isso, preferiu sentar-se à beira do campo e ver a olhar a bola rolar, a poeira subir, a vida passar.

De fato, é um bom observador: diferencia o 4-4-2, 4-2-3-1, 4-1-4-1 e todas as suas variações; acha que o goleiro tem a obrigação de saber sair jogando com a bola nos pés e que o ala não deve trabalhar apenas como secretário de lateral. Mas, nada disso serve para os jogos do campinho. Ali, são todos um bando de índio, com a bola correndo de um lado para outro, e os meninos numa carreira desabalada.

Às vezes se esquece da bola e fica a observar todos aqueles garotos, pensando no que será o futuro de cada um. Certamente, dali não haverá de sair qualquer futebolista, nem algum técnico de futebol. Alguns daqueles não estudam; ficam na rua o dia todo, correndo para cima e para baixo, soltando pipa, jogando bolinhas de gude. Ainda existem aqueles que descem para a cidade. Ficam por lá boa parte do dia, olhando, pedindo, roubando.


Talvez saia um ou outro professor, algum policial, quiçá, algum dono de mercearia. Por enquanto, continuam correndo atrás da bola, querendo ser Cristiano, Messi, Neymar. Ele não quer mais ser jogador de futebol; prefere observar o jogo, enquanto cria histórias, enquanto sonha em ser um sujeito de primeira.

quinta-feira, 23 de março de 2017

DIA DE CLÁSSICO

*Este texto foi escrito por mim em 2012 e publicado pelo grande jornalista Chico Maia no www.chicomaia.com.br. Uma grande honra.


Ontem foi dia de Clássico na capital. As torcidas em polvorosa, os jogadores em ritmo de concentração, a imprensa correndo para um lado e para outro. No interior também tinha Clássico, mas numa toada diferente, sem alarde, sem pressa, sem exageros, porque tudo isso faz mal ao sertanejo.
Primeiro tinha o almoço com a família, porque, antes de tudo, vêm as coisas de Deus. Um franguinho caipira, com quiabo; arroz de forno, feijão tropeiro e uma cachacinha para abrir o apetite. Depois, uma caminhadinha pela praça da matriz, que é para fazer o quilo e colocar as conversas em dia. Daí sim, vai-se ao grande clássico.
O jogo é pela televisão e a reunião em um dos barezinhos da cidade. Não há torcida única ou demarcação de território. Sentam-se todos juntos pelas mesas espelhadas. Um, mais apressado, levanta a mão e chama o garçom; pede uma cerveja e o papo começa. Os palpites são muitos e os resultados vários. A balbúrdia é intensa, mas se finda com o apito inicial.
Jogo tenso, intenso. Os torcedores com o coração acelerado e garrafa passando de mão em mão. O tira-gosto do lado, que e para não faltarem as forças. Os gols saem rápidos, rasteiros, empolgantes. Não tem brigas, apenas provocações, gozações, gritos de gol. A polícia passa, apenas para garantir a ordem; a ambulância desce a rua, sem correria, sem sirene, numa ronda rotineira. O tempo voa e a vida passa.

Finda-se o clássico. Não há vencedores nem vencidos, apenas a impressão de que aquele foi um jogo bom, como os clássicos de outras épocas. Um pequeno grupo se reúne junto à porta, para fazer a resenha final; conversam alto, alterados pela loirinha, enquanto outros seguem para casa. Ainda tem a missa; o jantar e, depois, dormir, porque não é todo dia que a cidade passa por tanta badalação.

ARNALDO E A POLÍTICA

Nestes dias tenho evitado sair à rua. Prefiro ficar em casa, sentado no velho banco da varanda, tomando minha cachaça, olhando a lagoa, pensando nos problemas dos outros. Também tenho lembrado o meu amigo Arnaldo. Vez ou outra a sua minha esposa senta-se ao meu lado e ficamos olhando a paisagem. Ela não diz qualquer palavra, mas sei que ainda se lembra do marido. Respeito a sua dor, ainda mais que nem uma notícia dele nos tem chegado.

Se o Arnaldo, de fato, não mais estiver entre nós, embora seja grande a minha dor, aprazo-me por ele não ver as tantas enrascadas pelas quais o brasileiro tem passado. Se vivo estiver, imagino a sua dor ao ver tanto desmando numa única nação. Da minha parte, em nada me afetam a Terceirização, a Previdência e a Reforma Trabalhista: do que tenho guardado, vivo por mais algumas boas gerações.

O amigo, a quem um dia ainda espero encontrar, para juntos tomarmos algumas doses de cachaça e comermos os quitutes da minha sua esposa, era, realmente um sujeito solidário. No seu jeito simples e direto, o Arnaldo diria que tudo isso é culpa do povo, culpa nossa, que não sabemos votar e nem cobrar dos nossos políticos.

De certa forma, eu haveria de concordar com o amigo; mas ele certamente continuaria dizendo que ainda é tempo para se consertarem as coisas, que bastaria o povo ir para as ruas, protestar, cobrar, gritar, espernear os seus direitos e o seu futuro. Ele era mesmo um visionário! Era um pobre coitado que sempre acreditara na força do povo para reverter os problemas da nação.


No fundo, eu até concordo com as ideias do Arnaldo; mas prefiro ficar quieto no meu canto, a espera de alguma solução plausível. Por enquanto, contento-me com os afagos da minha esposa do amigo e fico sempre de espreita, no aguardo de quando ele há de chegar, com seu jeito matuto, pedindo mais um copo de caninha.

quarta-feira, 22 de março de 2017

NOSSAS ÁGUAS, NOSSO FUTURO!

Nesta quarta-feira, dia da água, resolvi andar de bicicleta pela orla da lagoa e, para minha alegria, ela estava transbordando. Para evitar acidentes, o ladrão ajudava no escoamento fluvial, criando um belo espetáculo do outro lado do aterro, com uma pequena cachoeira artificial. É uma pena que, se as chuvas não continuarem a cair, até o final do ano, as águas estarão bem abaixo do desejável.

É sempre a mesma coisa: no início do ano, a lagoa fica cheia, vistosa, sempre convidativa a uma prazerosa olhada. Com o passar do tempo, porém, as águas vão secando, secando, até que se possa caminhar por boa parte dela, quase até o meio, sem molhar ao menos os calcanhares. E o pior, tudo isso é nossa culpa.

O problema começa pelas nossas pequenas ações: gastamos água excessivamente, sem nos preocuparmos com o futuro, poluímos as ruas, os rios; temos a certeza de que os nossos atos, por serem minúsculos, não afetarão os rios, os córregos, os lençóis freáticos.

Depois, têm os fazendeiros e sitiantes, que represam a água que deveria abastecer a lagoa, para irrigar suas plantações, criar suas criações, entreterem-se nos dias de calor e nos finais de semana. Sem contar que muitos destes desmatam as margens dos córregos, contribuindo para o seu assoreamento.

É fato, os políticos também têm a sua culpa, quando não criam projetos, nem realizam ações para que nossos córregos e rios sejam preservados. Isso também deveriam ser prerrogativas dos nobres representantes da sociedade, mas, poucos são os sabedores, ou interessados nesse assunto.

Não adianta, portanto, jogar a culpa neste ou naquele indivíduo. Todos nós temos a nossa parcela de culpa. Dessa forma, cabe a cada um de nós cumprir o papel que nos é devido. Hoje a lagoa estava cheia, com suas águas descendo pelo ladrão, mas, talvez, daqui a pouco tempo, nem mesmo teremos água para beber, se não fizermos o que nos é obrigação. E tenho dito!

segunda-feira, 20 de março de 2017

PODRIDÃO PREVIDENCIÁRIA

Tem-se discutido, ultimamente, a famigerada reforma da previdência, sob a alegação de que o brasileiro tem vivido mais, onerando, desta maneira, os cofres previdenciários, quase levando a instituição à falência. Como solução, o melhor, segundo os nossos representantes, é castigar os trabalhadores por viverem tanto, tirando-lhes o direito à aposentadoria.
Os nobres senhores que preconizam a necessidade de se aumentar a aposentadoria do cidadão brasileiro, em sua quase totalidade, são indivíduos já aposentados e, diga-se, com pomposas aposentadorias. Desta feita, nada lhes será afetado: eles não perderão qualquer benefício, assim como não terão que trabalhar anos a fio para receberem míseros benefícios.
É fato que a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco, mas, nós não precisamos ser o lado fraco da história. Não há dúvidas de que não é justo o indivíduo ser obrigado a trabalhar por quarenta e nove anos para ter a sua aposentadoria integral, da mesma forma que não é justo um indivíduo aposentar-se da sala de aula, por exemplo, aos setenta e dois anos de idade.
Por isso, é de extrema importância que a sociedade una-se, independente de bandeira partidária, para lutar contra a Reforma da Previdência, pelo menos nos moldes que nos está sendo apresentada, pois, se assim for aprovado, estaremos nós nos abdicando da nossa aposentadoria e do futuro dos nossos filhos e netos. E tenho dito!

domingo, 19 de março de 2017

O ARNALDO E A CHUVA

Choveu durante toda a noite e a água da lagoa desce pelo ladrão, oferecendo-me uma bela imagem depois do aterro. Ainda fico na espreita, para ver se a força da água não levará tudo novamente, como se viu tempos atrás. Mas o presente precisa suplantar as lembranças passadas: a lagoa está linda, assim como, creio eu, o Arnaldo não mais existe.

 Não tive coragem de ir à praça. Nesta manhã dominical, talvez o Wallisson esteja já preparando a tapioca, com sua quitanda debaixo de alguma marquise; quem sabe o Miltinho já esteja montando seus lanches, enquanto Dalontra vende flores e mudas na sua Pampinha. Eu queria assentar-me num daqueles bancos e enamorar-me de todas aquelas imagens, mas, por ora, o melhor é ficar em casa, na varanda, tomando café e comendo os bolinhos de chuva que a minha esposa do Arnaldo acabara de preparar.

A verdade é que manhãs chuvosas, como esta, trazem-me lembranças do amigo. Era comum que todos os dias viesse a minha casa; mas, nos dias de finas precipitações pluviométricas, indistintamente, trajava-se de sua capa azulada, punha o seu chapéu de couro e, montado em seu pequeno cavalo, vinha bater um dedo de prosa.

O Arnaldo gostava de chuvas, da mesma forma que agradecia os dias ensolarados. Tinha o pensamento simplório de que a vida é um ciclo contínuo, interminável, e que, por isso, precisávamos da chuva e do sol. Não concordava com as reclamações das lavadeiras, que sempre pediam uma nesga de sol para secarem as suas roupas nos varais. E preconizava que “a gente é sempre mal agradecida: se faz sol, reclama; se vem a chuva, pede que o sol dê o ar da sua graça”.

E era comum que, enquanto andássemos pelas redondezas da fazenda, até o Canabrava, onde costumávamos olhar o nível da barragem, que sempre parecia a ponto de estourar, encontrássemos vários “olhos de sol”, feitos por crianças e lavadeiras, implorando pelo tempo seco. O amigo parecia encher-se de uma tremenda ira, mas, continha-se e, com sua brandura costumeira, passava o pé por cima do desenho e apagava-o, dizendo que Deus ainda haveria de cessar toda a chuva algum dia, ainda mais com a má-vontade e as inconsequências dessa gente.


Tenho comigo que o Arnaldo era um sujeito de grande inteligência, ainda que repleto de simplicidades. Sinto sempre saudades do amigo e espero pelo dia em que ainda conversaremos sobre as chuvas, os dias ensolarados e todas as inconsequências desse povo. Mas, enquanto isso, o melhor é evitar as idas à praça e apenas enamorar a vista da lagoa, sentado neste velho banco, enquanto a minha sua esposa prepara o frango para o almoço de domingo. 

sábado, 18 de março de 2017

AINDA AS LEMBRANÇAS DO ARNALDO

Depois de muito tempo, resolvi sair de casa. Precisava espairecer, rever os amigos, reencontrar a velha cidade. Desde que me mudei para cá, tenho me contentado em, sentado na varanda do velho sobrado, observar a lagoa e as pessoas que se aproveitam desse belo recanto. Não tenho mais a sensação de que o meu amigo Arnaldo esteja por perto; também não tenho mais ido por aquelas bandas. Prefiro ficar longe de qualquer aborrecimento.
Tenho notado que a minha esposa do Arnaldo tem sentido saudades da velha casa, mas acredito que ela entenda os contratempos. As sensações haviam se tornado frequentes; também tinham as sombras que se mexiam pelos matos, até os tiros que não se sabia de onde vinham. Talvez nem fosse o meu falecido amigo, mas, por via das dúvidas, o melhor era caçar um sossego aparente.
Não é que eu tenha medos do amigo. Defunto ou não, o Arnaldo sempre fora meu companheiro. E, deveras, ainda nos vejo assentados na varanda, tomando café com bolo de fubá e pão de queijo, iguarias que a minha sua esposa continua a fazer, ainda com os apreços de outrora. Fato é que tenho me precavido, e, além das poucas saídas de casa, tenho andado armado e com um crucifixo a tiracolo.
A cavalo, segui margeando a lagoa, bem junto da calçada azulada. Ia admirando as ondas formadas pelo vento matinal, enquanto alguns quero-queros voavam de um lado para outro, numa felicidade imensurável. Ao longe, eu via as bonitas casas que se queimavam ao sol, recebendo a brisa úmida das águas do Sanharó. O meu sobrado ficava a um canto mais afastado e, da outra ponta da lagoa, apenas via a varanda, com o meu velho banco de madeiras.
Dobrei a esquina à esquerda, sempre olhando de um lado a outro, admirando a paisagem, precavendo-me de alguma emboscada. De frente ao hotel, pus reparo na sua coloração alaranjada e recordei-me de que o Arnaldo dissera-me alguma vez que, quando construísse a sua nova casa, num sitiozinho que ainda haveria de comprar, ela haveria de ser rústica, como são as casas do sertanejo, assim como haveria de pintá-la de uma cor abóbora, pois queria uma casa viva, cheia de viço.

As lembranças do meu amigo encheram-me o peito e senti a minha alma doer. Lembrei-me da minha sua esposa, que estava sozinha em casa. Talvez estivesse deitada, relembrando os momentos com o Arnaldo, sentindo saudades do falecido; quiçá, estivesse na cozinha, preparando já o almoço deste sábado, talvez um arroz branco, com feijão de caldo bem temperado e uma travessa de língua assada. Na dúvida, o melhor seria voltar para casa, rapidamente.

sexta-feira, 17 de março de 2017

QUARTA-FEIRA DE CINZAS

Nesta tão pesada tarde
De quarta-feira de Cinzas
Acendo calmamente o meu cigarro
Enquanto um branda nesga de luz
Adentra o meu quarto toscamente
E uma precipitação obscura
Encharca a minha pobre alma. 

MOMENTO DE PAZ

         
E-lismar Santos

          Não é que tivesse uma intenção explícita. Na verdade, o que ele queria era fugir. Não sabia ao certo do que fugia, apenas que fugia, e isto lhe bastava. Embrenhara-se no mato e pusera-se a andar em círculos, retas, subidas e descidas, até que chegara aonde queria. É verdade que nem mesmo sabia onde estava; estava perdido, mas estava longe de tudo e de todos.
           Sentara-se sobre uma enorme pedra à beira do rio e pôs-se a pensar, enquanto lavava o rosto suado da longa caminhada. Sua respiração era ofegante, pois havia caminhado durante quase todo o dia; suas roupas estavam rasgadas e a barriga roncava de fome.
        Enquanto descansava, pensava no quanto era bom estar sozinho, sem ninguém para reclamar, sem o barulho dos carros, sem os gritos das crianças que voltavam da escola, sem as conversas destarameladas dos cachaceiros que sentavam na porta da casa, nas madrugadas friorentas.
           De repente, seus pensamentos esvaziaram-se. Um silêncio ensurdecedor tomara a sua alma e toda a paz que encontrara ali, como que num passe de mágica, dissipara-se. Senta saudades de casa, do barulho dos carros, dos gritos das crianças que voltavam da escola, das conversas destarameladas dos cachaceiros que sentavam na porta da casa nas madrugadas friorentas. Além de tudo isso, sua barriga não parava de roncar. Então, abriu os olhos e foi ver se tinha alguma coisa na geladeira.