domingo, 19 de março de 2017

O ARNALDO E A CHUVA

Choveu durante toda a noite e a água da lagoa desce pelo ladrão, oferecendo-me uma bela imagem depois do aterro. Ainda fico na espreita, para ver se a força da água não levará tudo novamente, como se viu tempos atrás. Mas o presente precisa suplantar as lembranças passadas: a lagoa está linda, assim como, creio eu, o Arnaldo não mais existe.

 Não tive coragem de ir à praça. Nesta manhã dominical, talvez o Wallisson esteja já preparando a tapioca, com sua quitanda debaixo de alguma marquise; quem sabe o Miltinho já esteja montando seus lanches, enquanto Dalontra vende flores e mudas na sua Pampinha. Eu queria assentar-me num daqueles bancos e enamorar-me de todas aquelas imagens, mas, por ora, o melhor é ficar em casa, na varanda, tomando café e comendo os bolinhos de chuva que a minha esposa do Arnaldo acabara de preparar.

A verdade é que manhãs chuvosas, como esta, trazem-me lembranças do amigo. Era comum que todos os dias viesse a minha casa; mas, nos dias de finas precipitações pluviométricas, indistintamente, trajava-se de sua capa azulada, punha o seu chapéu de couro e, montado em seu pequeno cavalo, vinha bater um dedo de prosa.

O Arnaldo gostava de chuvas, da mesma forma que agradecia os dias ensolarados. Tinha o pensamento simplório de que a vida é um ciclo contínuo, interminável, e que, por isso, precisávamos da chuva e do sol. Não concordava com as reclamações das lavadeiras, que sempre pediam uma nesga de sol para secarem as suas roupas nos varais. E preconizava que “a gente é sempre mal agradecida: se faz sol, reclama; se vem a chuva, pede que o sol dê o ar da sua graça”.

E era comum que, enquanto andássemos pelas redondezas da fazenda, até o Canabrava, onde costumávamos olhar o nível da barragem, que sempre parecia a ponto de estourar, encontrássemos vários “olhos de sol”, feitos por crianças e lavadeiras, implorando pelo tempo seco. O amigo parecia encher-se de uma tremenda ira, mas, continha-se e, com sua brandura costumeira, passava o pé por cima do desenho e apagava-o, dizendo que Deus ainda haveria de cessar toda a chuva algum dia, ainda mais com a má-vontade e as inconsequências dessa gente.


Tenho comigo que o Arnaldo era um sujeito de grande inteligência, ainda que repleto de simplicidades. Sinto sempre saudades do amigo e espero pelo dia em que ainda conversaremos sobre as chuvas, os dias ensolarados e todas as inconsequências desse povo. Mas, enquanto isso, o melhor é evitar as idas à praça e apenas enamorar a vista da lagoa, sentado neste velho banco, enquanto a minha sua esposa prepara o frango para o almoço de domingo. 

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