Choveu
durante toda a noite e a água da lagoa desce pelo ladrão, oferecendo-me uma
bela imagem depois do aterro. Ainda fico na espreita, para ver se a força da
água não levará tudo novamente, como se viu tempos atrás. Mas o presente
precisa suplantar as lembranças passadas: a lagoa está linda, assim como, creio
eu, o Arnaldo não mais existe.
Não tive coragem de ir à praça. Nesta manhã
dominical, talvez o Wallisson esteja já preparando a tapioca, com sua quitanda
debaixo de alguma marquise; quem sabe o Miltinho já esteja montando seus lanches,
enquanto Dalontra vende flores e mudas na sua Pampinha. Eu queria assentar-me
num daqueles bancos e enamorar-me de todas aquelas imagens, mas, por ora, o
melhor é ficar em casa, na varanda, tomando café e comendo os bolinhos de chuva
que a minha esposa do Arnaldo acabara de preparar.
A
verdade é que manhãs chuvosas, como esta, trazem-me lembranças do amigo. Era
comum que todos os dias viesse a minha casa; mas, nos dias de finas
precipitações pluviométricas, indistintamente, trajava-se de sua capa azulada,
punha o seu chapéu de couro e, montado em seu pequeno cavalo, vinha bater um
dedo de prosa.
O
Arnaldo gostava de chuvas, da mesma forma que agradecia os dias ensolarados.
Tinha o pensamento simplório de que a vida é um ciclo contínuo, interminável, e
que, por isso, precisávamos da chuva e do sol. Não concordava com as
reclamações das lavadeiras, que sempre pediam uma nesga de sol para secarem as
suas roupas nos varais. E preconizava que “a gente é sempre mal agradecida: se
faz sol, reclama; se vem a chuva, pede que o sol dê o ar da sua graça”.
E
era comum que, enquanto andássemos pelas redondezas da fazenda, até o
Canabrava, onde costumávamos olhar o nível da barragem, que sempre parecia a
ponto de estourar, encontrássemos vários “olhos de sol”, feitos por crianças e
lavadeiras, implorando pelo tempo seco. O amigo parecia encher-se de uma
tremenda ira, mas, continha-se e, com sua brandura costumeira, passava o pé por
cima do desenho e apagava-o, dizendo que Deus ainda haveria de cessar toda a
chuva algum dia, ainda mais com a má-vontade e as inconsequências dessa gente.
Tenho
comigo que o Arnaldo era um sujeito de grande inteligência, ainda que repleto
de simplicidades. Sinto sempre saudades do amigo e espero pelo dia em que ainda
conversaremos sobre as chuvas, os dias ensolarados e todas as inconsequências desse
povo. Mas, enquanto isso, o melhor é evitar as idas à praça e apenas enamorar a
vista da lagoa, sentado neste velho banco, enquanto a minha sua esposa prepara
o frango para o almoço de domingo.
Gostei do texto.
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