quinta-feira, 31 de julho de 2014

A BRIGA

“Você viu a briga de ontem?!”

“Vi não. Eu estava trabalhando.”

“Cara, você perdeu. O trem foi muito doido.”

“Ahn.”

“Não sei como começou. Eu estava chegando da rua, quando ouvi aquela barulheira toda. Não quis ficar perto, que era pra não sobrar pra mim. Entrei, me encostei no pé do muro e fiquei só na espreita”.

“Pois é”.

“Cara, a coisa foi violenta! Só sei que o cara chegou com uns papos de bêbado, meio que cambaleando, com a voz arrastada, falando mais alto do que devia. Depois, chamou a mulher para sentar junto de si no banquinho bem de frente aqui de casa. Ela não quis, mas o cara era muito insistente.”

“Estou com pressa; tenho que ir buscar a mulher no médico...”.

“Mas você não sabe o B.O. que a insistência deu, maluco! O namorado dela estava do lado, só escutando, ainda não tinha entrado na história. Foi aí que ele perguntou pro bêbado ‘O quê que você tá querendo com ela?! Você não vê que ela tá comigo?! É a minha namorada! ‘... Mas o bêbado não se fez de rogado e soltou a pérola ‘deixa de ser besta, moço; ela não é sua, ela é de todos nós’. E foi aí que o bicho pegou, bem no meio da rua!”

“Pois é, velho. Muito interessante a história, mas tenho que ir mesmo. Estou atrasado para buscar a mulher no médico. Ela deve estar estressada já. Depois a gente se fala”.

“Tá bom, então. Ah, dá um abraço nela por mim. E fala que desejo melhoras”.

“Mas ela não está doente, foi apenas acompanhar a irmã grávida, além do mais, que intimidade é esta, para ficar mandando abraços assim?!”

“Calma, irmão. Não seja tão egoísta, você sabe que ela não é só sua...”


E foi assim que tudo recomeçou.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

LEMBRANÇAS AGUSTINAS

O mês de agosto vem chegando, mas, o frio e o vento já estão por aqui faz algum tempo. E, com eles, vieram também algumas lembranças. A primeira delas são os rodamoinhos, para nós, crianças, ridimunhos, que começavam pelos lados da AABB e vinham descendo até as casas mais baixas. As crianças assobiávamos à beça, só para vê-los crescer, enquanto as mães ralhavam as nossas peraltices e ordenavam que fechássemos todas as portas e janelas. Até que, numa tarde de sol e vento, um ridimunho entrou na casa de uma vizinha, bagunçou as vasilhas e arrancou todas as telhas do casebre.

Eu já pensei em entrar com uma peneira dentro do ridimunho e pegar o saci que mora lá dentro. Diziam que ele virava um capetinha que, se colocado dentro de uma garrafa, realizaria todos os nossos desejos. Mas eu era medroso, e preferia ficar de longe assobiando, vendo a poeira tomar os céus da cidade, quase arrancando as roupas brancas no varal, naquelas tardes de vento, sol e muito frio. Desse jeito: poeticamente paradoxal.

Depois que os ridimunhos passavam, enquanto as mulheres, com cara de poucos amigos, retiravam as roupas, agora sujas, do varal, subíamos para as terras do Zé Lopes, onde soltávamos pipa, até que as mães se esgoelassem para que voltássemos às nossas casas, tomar banho, jantar e voltar para a rua, para brincarmos de Caiu-no-poço, pega-bandeira e esconde-esconde.

Nunca fui muito bom em soltar pipas. Por isso, quase sempre, arrumava as sacolinhas plásticas, as taliscas, comprava um rolo de linha, pedia ao Tinca que preparasse o brinquedo e, depois, admirado, punha-me a olhá-lo soltando a arara, fazendo-a subir até quase subir no céu e, depois, abruptamente, fazê-la cair vertiginosamente até quase tocar o chão, para, logo em seguida, subir de novo. E isso se repetia infinitamente, sem nunca perder o encanto.

Por aqueles lados já quase não existem ruas de terra, assim, os ridimunhos são raros e sem graça. Os meninos já não assobiam quando eles passam e, acredito eu, nenhum deles deve saber que ali dentro mora um saci. Já as pipas ainda sobrevivem; mas não possuem mais o encanto daqueles tempos. Definitivamente, já não existe mais aquele encanto de mês de agosto.

terça-feira, 29 de julho de 2014

RONALDINHO: TUDO UM DIA ACABA

Não se fala em outra coisa: Ronaldinho Gaúcho saiu do Galo. Depois de 754 dias, 88 jogos, 28 gols e 3 títulos, o Bruxo despediu-se da Massa Atleticana, para  a tristeza do meu amigo Milton Morais e vários outros alvinegros. Da minha parte, sou grato ao craque pela Libertadores, pelas belas jogadas e, principalmente, por ter elevado o nome do Galão a patamares inimagináveis, mas, estou certo, já era hora de partir. Afinal, tudo um dia acaba.

Não há dúvidas de que o nome do Gaúcho será sempre lembrado nas rodas de bate-papo atleticanas, pois que era ele o ídolo há tanto tempo desejado no clube. Mas, convenhamos, serão um milhão de reais mensais que, se bem aplicados, podem render bons frutos ao Atlético. Basta que a diretoria saiba empregá-los.

Também já fui jogador. Se bem que não tão bom como o Bruxo, se bem que não tão rico como ele, se bem que não no Atlético; mas, um dia, deixei de sê-lo, e o clube continuou por mais algum tempo. Joguei por mais de dez anos no Real Madri corjesuense.  E essa história todo mundo já sabe, ainda que com algum exagero, ainda que com alguma fantasia. Até que um dia pendurei as minhas chuteiras, sem novelas, sem homenagens, sem brigas judiciais, e seguimos, ambos, os nossos distintos caminhos.

Que o Ronaldinho siga a sua estrada. Que leve consigo o Assis e seja feliz em outra freguesia; mas que nos deixe as boas lembranças de um tempo em que o Atlético foi, de fato, o Campeão dos Campeões. Assim fizemos nós, ex-atletas do Real. Alguns ainda tentaram a vida futebolística em outros peladores, em outras agremiações “amadorescas”, mas, não adianta, nunca haverão de encontrar aquela magia de antigamente, quando o futebol era apenas uma brincadeira de velhos amigos.


O Kalil ainda deve uma estátua ao Bruxo alvinegro. O Real não me deve qualquer vintém. Ao contrário, devo eu, aos amigos do Madri, toda a gratidão por ter vivido tempos áureos, por ter sido tão feliz correndo por campos cheios de tocos, de lama, de terra; por ter sido um grande atleta, embora me faltassem a magia, os dribles, o encanto do Ronaldinho gaúcho; embora a nossa camisa não fosse tão pesada quanto a alvinegra, mas, sem dúvidas, tão eterna quanto. Tenho dito!

quarta-feira, 23 de julho de 2014

NA HORA DO CAFÉ

-Pronto.

-Alô. É o Elismar Santos?

- É ele.

- Pô, cara. Você é difícil de encontrar, hein, velho!

- Quem “tá” falando?

- O negócio é o seguinte... Sou seu fã de carteirinha. Tenho seus três livros e por causa deles decidi ser poeta também...

- Mas o negócio não é tão assim, assim...  Você escreve alguma coisa?

- (Uma pequena pausa) Não. Não escrevo nada. Mas, depois de você, qualquer um pode escrever qualquer coisa...

- Não entendi.

- Velho, quando um poema que diz “A pá lavra a terra/ em cujos sulcos/ ir-nos-emos/ um dia cultivar” é chamado de poesia, qualquer coisa pode ser vista assim também. Ou não?!

- Peraí! Quem “tá” falando?!

- O “Mutante” ainda foi bom, cara. Assim como nos “Senharó” você fez um bom trabalho. Mas, no terceiro, você deixou a peteca cair!

- Primeiro: os livros são “Mutação” e “Sanharó”. Segundo: a Crítica tem  elogiado bastante o “A Pá Lavra”. E, pra completar, eu não tenho que te dar qualquer explicação sobre eles. Se você quiser, escreva. Depois, veja se presta o que escrever, mas, me deixa em paz.

- Pô, velho! Ficou nervoso?! Apenas quis te dar uma crítica construtiva... O sucesso já subiu pra cabeça. Por isso não vira Best Sellers; por isso não vai pra Academia; por isso continua dando aulas de Português. Kkk...


- Tchau (e desliguei o telefone). 

terça-feira, 22 de julho de 2014

MARIA-DA-FACA

Dizem que Maria-da-Faca existiu de verdade. Morava no Sanharó e – isto era o que lhe dava o vulgo- andava sempre com dois facões na cintura. De praxe, era uma pessoa tranquila, mulher de hábitos simples e andar cabisbaixo. Muito respeitosa, não gastava de brincadeiras ou chacotas; mas, aceitava de bom grado algumas doses de conversa e um trago de pinga para esquentar o frio de mês de Julho, que sempre se fazia para ela.

Namorado, pelo que se sabe, nunca tivera. Se bem que naqueles tempos, no meio do mato, longe dos progressos urbanos, alguns viviam ainda como bichos e quase tudo era válido, sem que os outros tomassem conhecimento. Mas, é fato que Maria-das-Facas não gostasse de conversar sobre homens, nem com homens. Daí é que surgiram várias das muitas lendas sobre ela.

Dizem que certa feita, enquanto andava pela capoeira, a procura de garranchos para atiçar o fogo, Maria defrontou-se com um vaqueiro que, bêbado, cambaleava sobre um cavalo magricelo. De certo, estaria ele vindo de Zé de Cristino ou de Paulão. Era domingo, dia de missa, de jogo, de bebedeira. Ela havia ido à missa de manhã. Não quisera ver o jogo, nunca gostara de multidões. Preferira ir embora, cuidar dos bichos que ficaram no rancho.

O homem veio para o seu lado. Dera um cumprimento preguiçoso e começara a descer do cavalo. Maria, que o conhecia de uma fazenda próxima, não fizera qualquer menção de correr, mas, segurara firmemente uma das facas. O bêbado, cambaleante, com os olhos quase fechados, caminhava torto para o seu lado, conversando uma língua embolada, tropeçando nos tocos, fedendo a pinga com limão.

O sol já estava se pondo e Maria não havia achado muita coisa por ali. Antes tivesse ido embora, procuraria os garranchos mais perto do rancho e não teria que aguentar àquela aporrinhação. Com cara de nenhum amigo, ordenou que o abusado se afastasse, que pegasse o seu cavalo e partisse; mas o homem fizera-se de desentendido. Chegou-se junto dela e pôs a mão em seu ombro, já quase beijando a sua boca.

Maria sentiu um arrepio tomar todo o seu corpo. Nunca sentira um homem tão de perto, com todo aquele calor, aquele cheiro, aquele suor. Suas pernas tremeram, as mãos começaram a suar e um frio intenso começava a tomar conta da sua barriga. Mas, antes que se apaixonasse, quando ele já encostava o seu corpo no dela, com um abraço desajeitado, eis que a faca de Maria perfurou o seu bucho. E tudo começou a fazer sentido para ambos.


Maria guardou a faca, pegou o pouquinho de gravetos que achara e voltou para casa, enquanto o bêbado, estatelado no chão, rezava as orações que o padre havia ensinado de manhã. Dizem que o acharam, ainda vivo, na manhã seguinte, já com as formigas  passeando pelo corpo, enquanto Maria-da-Faca, banhava-se em água fria, só pra ver se abaixava o fogo.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

TODO POETA É UM SONHADOR


Meu amigo Fábio Gonçalves, lá em Água Boa, há de convir comigo: todo poeta é um sonhador, um pensador, um pulsador. Sonhamos acordados, criamos histórias imaginárias, vivemo-las solitariamente e, acredite, cremos, piamente, que tudo seja uma grande verdade. E talvez seja por isso que, como diz a minha irmãzinha Aleci, em Montes Claros, somos assim tão diferentes, tão poetas.

Quando menino, eu sonhava ser bancário, contar dinheiro, ter muito dinheiro, e, com ele, comprar carros, casas, a felicidade. Mas, faltava-me a Matemática, o pendor para as contas. Faltava-me a exatidão dos números; preferindo eu a humanidade das palavras, com suas interpretações, seus devaneios, suas ilusões.

Depois, adolescente apaixonado, sonhei ser locutor de rádio e ator de teatro. E corria o mundo, ainda que da minha imaginação, pelas ondas das grandes rádios, pelo brilho hipnotizante das peças teatrais, que eu mesmo criava em minha mente. Mas faltaram-me a voz, a eloquência e o despojamento dos grandes atores e locutores. Faltava-me o pendor para a comunicação, para o contato midiático. Preferia eu conversar solitariamente com as palavras, trancafiados nós numa mísera e branca folha de papel.


Ainda, em tempos de juventude, sonhei ser autor de algum best seller, escrever uma obra inesquecível, inestimável, inenarrável. Queria vender milhões de livros e ser lido por tanta gente, que minha alma não seria capaz de nem mesmo imaginar. Mas, novamente, faltou-me o pendor para o convencimento, para a eloquência, para a disciplina e a objetividade. Preferi, então, ser apenas um sonhador, sem grandes pretensões, sem colossais ilusões. Apenas um sonhador, numa cidadezinha pequena, numa casinha pequena, numa vizinha módica, como cabe a cada poeta, em todas as suas dimensões. Vivendo de sonhos e poesias, sem nada mais que lhe caiba nesta vida.

terça-feira, 15 de julho de 2014

O REAL MADRI

Em 2000 eu ainda jogava futebol. Quer dizer, corria atrás da bola e dava as minhas caneladas. Como sempre, brincava de futebolista no Real Madri; sempre sonhando em ser um grande jogador de futebol. Ficando mesmo nos sonhos. E, como passara por todas as posições do campo, eu já fora o Taffarel, o Gutemberg, o Paulo Roberto Prestes e, até mesmo, o Ronaldo Fenômeno. Depois, vieram a internet, a rádio, os problemas, e o futebol ficou apenas nas lembranças.

O Real treinava todos os dias, embora não tivesse um campo fixo. Às vezes íamos até o campinho do menon; às vezes detrás do parque, ou, então, brincávamos no Renovação, no Buriti ou no Diamante. Poucas eram as vezes em que jogávamos no Cecorje, o único estádio da cidade, gramado e com alguma estrutura.

Nos finais de semana íamos para os torneios, geralmente, nas roças e, na maioria das vezes, na comunidade Inhaúma, onde, certa feita, um dos rivais, chamando-me a um canto, veementemente, pediu:

- Elismar, fala com os meninos para não virem mais aqui. Todo domingo é a mesma coisa. E, além disso, já cansamos de ganhar de vocês. Vão jogar em outro lugar!

Não teve jeito. Voltamos mais algumas vezes. Ganhamos alguns troféus, mas, quase sempre saíamos goleados, e bêbados. O futebol não passava de uma mera desculpa para as farras. Jogávamos, corríamos, gritávamos, mas, principalmente, vivíamos a juventude através do futebol. E isto já nos bastava. Éramos felizes.

Certa feita, fomos jogar um torneio em São João da lagoa. Partimos de Coração na gaiola de um caminhão de transportar gado, com o cheiro de esterco tomando o nosso nariz e nossos corpos. Havia chovido naquela manhã de domingo e isso aumentava o odor que subia das tábuas soltas da carroceria.

Jogamos quase todo o primeiro tempo debaixo de chuva, com o Lêga e o, saudoso, Polveira, bicando todas as bolas de nossa área, enquanto eu, do meu cantinho na lateral, assistia atenciosamente ao jogo, a espera de uma bola para disparar ao ataque. E como sempre, corria, corria, corria, até perder a bola em linha de fundo. Era um dos mais velozes do time, mas não conseguia correr e pensar. Ou era um, ou outro.

A primeira etapa já estava por acabar e a chuvinha já havia se misturado ao suor, não sendo possível afirmar o que seria um ou outro. Até que o Fabrício, o nosso meio-campo mais habilidoso, que não jogara naquela manhã, porque estava ressacado da noite anterior, chegara até a beira do campo com uma garrafa de Coca-Cola, transbordando de cachaça. Aquele fora o fim da partida, não sobrara nenhum atleta em campo. Nem do nosso, nem do time adversário.

domingo, 13 de julho de 2014

O CASAMENTO DE GILDA

Talvez você nem se lembre mais da Gilda, por isso, leia o texto homônimo, do dia 16 de junho, neste blog. Pois bem, fiquei sabendo, por fonte segura que, talvez, a Gilda vá se casar. Fico feliz por ela, mas, sobretudo, fico feliz pelo seu felizardo. É verdade que nem o conheço, afinal, não o vi, apenas ouvi as suas lamúrias apaixonadas ao telefone, numa dessas noites frias de Junho. Mas, parece que o amor venceu a dor, e a Gilda irá se casar.

Enquanto escrevo estas linhas, fico imaginando o quão sofrido foi o caminho do nosso herói, até que a mocinha aceitasse o seu apaixonado pedido. Com parcos pertences, além de uma bicicleta e míseros vinte reais no bolso, ele a conquistara mais pela sua força de vontade, pela sua perseverança, pelo seu amor verdadeiro. E, certamente, viverão assim, apaixonados, até que a morte – ou algum outro valente cavalheiro apaixonado – os separe.

Por questões burocráticas, o casamento ainda não estaria marcado. Primeiro, deve-se dar entrada com os papéis no cartório; depois, esperar-se-á mais alguns dias, até que tudo fique pronto; e, depois, o principal... Que deveria ser antes, mas, acho que, tomado pelo mesmo torpor alcoólico da apaixonada noite junina, o nosso herói deve pedir à mão da sua amada.

De acordo com o meu interlocutor, o amante de Gilda estaria embriagado ao pedir as informações sobre o casório. Mas, isso é coisa de pouca monta, afinal, o amor é mesmo um entorpecente à alma e, convenhamos, entre a embriaguez do álcool e do amor não há qualquer diferença que valha. O mais importante é que ele a ama e, não menos, que ela bote fé nele. De resto, que falem as más línguas; que pensem o que quiserem, ele haverá de amá-la para sempre.


E assim, depois de casados, Gilda será levada para o seu rancho de amor, onde ambos viverão felizes para sempre. Ele cortando lenha, carpindo roças, aboiando gados alheios; ela lavando roupas, cozendo no fogão à lenha, cuidando dos filhos, que brincam felizes na terra barrenta do quintal. O litro de pinga tilintará a um canto da cozinha, à espera do anoitecer, quando as crianças dormirão e os dois, apaixonados e felizes, após um derradeiro trago da maldita, haverão de amar-se como há muito não se ouve dizer por estas bandas do norte. E serão felizes, como deveriam ser todos os casais enamorados.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

ROTINA

Ao longe, as folhas de bananeira balançam-se ao bel sabor do vento; um ou outro carro passa pela rua, enquanto o barulho de uma enxada arrasta-se no asfalto e alguns cachorros latem mais ao longe ainda. O sol nasce timidamente pelos lados da lagoa, enquanto o friozinho de Julho vem bater à janela, como se quisesse refrescara alma.

Os pássaros, nesta manhã, ainda não chegaram. O pato ainda dorme debaixo da goiabeira, enquanto os sonhos ainda povoam as casas vizinhas. Daqui a pouco, os sonhos irão embora, os bichos acordarão, os pássaros chegarão e, finalmente, a vida reiniciará.

Da janela, olho a rua e sua solidão.  Vez ou outra, uma alma penada desce a rua; um ou outro trabalhador segue para a roça; um ou outro sonho recolhe-se à sua insignificância. E quase todo o dia será assim. Mais tarde, abrirão-se os botecos, as mulheres farão o almoço, as crianças ligarão os aparelhos de TV. E tudo continuará como sempre fora, e será.

As mesmas músicas serão tocadas nos botecos; os mesmos assuntos serão retomados: os bêbados falarão sobre futebol, mulher, política; um, mais exaltado, mexerá com a mocinha, de bunda grande e seios fartos, que passará lentamente, talvez indo comprar o macarrão ou a carne para o almoço. Outro pedirá mais uma cerveja, uma branquinha pra esquentar o frio, um cigarro para espantar as muriçocas. E tudo continuará como sempre fora, e será.

Às nove, em ponto, um avião deixará um rastro de fumaça nos céus, e, cortando as nuvens, levará algum deputado para Brasília. Algum poeta ligará o rádio para ouvir as notícias da Capital, enquanto alguém soltará um grito de felicidade numa rua ao longe, e outro o ecoará até a outra rua, para que outros gritos se ecoem pela cidade, como se fossem os galos da manhã a tecerem a vida de sempre.


E assim, passarão os dias, até que a vida não mais exista; até que os sonhos se tornem lembranças e a única esperança que ainda exista seja a de que tudo, um dia, termine bem. Talvez os pássaros ainda continuem a cantar na goiabeira; talvez as folhas da bananeira continuem a ser balançadas pelo vento, e, quem sabe, talvez a menina, de bunda grande e seios fartos, já velha e solitária, ainda passe pela rua, a espera do bêbado, que não mais exista para cantá-la.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

O PÁSSARO E A COPA

Hoje, um passarinho veio bater à minha porta. Ainda era de manhã quando ele chegou, assentou-se na caixa d’água e, comodamente, começou a bebericar a água que pingava da torneira. Era um pássaro de cor amarelada, com resquícios de verde em suas asas. Ao contrário da nossa seleção, não parecia machucado, debilitado ou abatido. Estava plácido, garboso, vívido.

Pensei em chegar junto dele, puxar assunto; quem sabe, falar sobre a Copa e o vexame do nosso selecionado. Mas, achei melhor recuar.  O pobre penoso não tem culpa das bobeiras do Felipão, das falhas do David, nem da eficiência alemã. Talvez ele nem saiba mesmo o que seja uma Copa do Mundo, com toda a sua emoção, suas surpresas, suas justiças ou injustiças. O que ele queria mesmo eram algumas gotículas de água e uma sombra fresca, onde pudesse descansar e, creio eu, replanejar o seu plano de voo.

Acredito que a nossa seleção também precise disso: um replanejamento. Deveríamos começar do zero, como se ainda não tivéssemos qualquer título, nem soubéssemos jogar futebol; porque, de fato, não sabemos, desaprendemos. Fizemos o caminho contrário dos nossos rivais, e, enquanto eles evoluíam, escolhemos a involução... futebolística, social, humana. Escolhemos retroceder. Mas o passarinho não tem nada haver com isso.

Não fui até o ilustre visitante. Tentei criar alguma poesia em minha alma, mas, ela já estava pronta. O pássaro era a poesia, concreta, bela, artisticamente bem disposta sobre a folha da vida. Enquanto poeta, sou péssimo em nomear bichos. Daí a minha ignorância sobre a que pássaro me refiro. Sei apenas que era belo e, despojadamente, me transmitia uma paz incomensurável.

Peguei o celular e, tirando uma foto, rapidamente mandei a sua imagem ao amigo Renato, um exímio conhecedor de pássaros, amante das motocicletas, do cruzeiro e de um bom churrasco. Ainda não recebi o parecer do amigo sobre a nomenclatura e os pormenores da ave; mas, confesso, ainda sinto a poesia que brotava das suas cores e, celeremente, fazia-me esquecer, ao menos por um instante, o vexatório deslize da nossa seleção, com Felipão e os seus pupilos.

terça-feira, 8 de julho de 2014

GRAÇAS A DEUS, UM VEXAME.

Ainda bem que o Brasil perdeu – e feio – para a Alemanha.  Antes do jogo eu preconizava um 2 a 1 para os germânicos. Nunca acharia que a vergonha seria tão grande, embora nunca acreditasse no hexa campeonato aqui no Brasil. Muitos, a partir de agora, criticarão esse ou aquele jogador. Não farei isso; afinal, há tempos, critico a nossa falta de futebol.

O nosso último lampejo futebolístico ocorreu em 1994, quando já não tínhamos o melhor time, mas, tínhamos jogadores habilidosos e uma programação preestabelecida, organizada, concreta. A verdade é que europeizaram o nosso futebol. E o pior, o estilo europeu dos anos 1990, com um jogo feio, sem técnica, sem qualquer lampejo de habilidade.

Há muito tempo, os nossos técnicos são apenas gaúchos. Nada contra tão belo estado, com povo valoroso e cheio de qualidades; mas, a escola futebolística do sul baseia-se em raça e vigor, enquanto a nossa história sempre empregara um futebol bonito, envolvente. E, pelo que tudo indica, o nosso próximo treinador será o “ofensivo” Tite. Ou seja, continuaremos nessa pindaíba.

Desde o final do ano passado, venho escrevendo em meus textos que o melhor seria pararmos o futebol brasileiro e começarmos do zero, da base, do ponto de partida. O único dos nossos clubes que vem apresentando um bom futebol é o Cruzeiro. Mas, que não nos iludamos, não é o melhor futebol do mundo. É apenas o nosso melhor futebol, o que temos no momento.

Não culpemos o Felipão, nem os jogadores. A culpa de tudo isso é da CBF e dos nossos dirigentes clubísticos, da lei Pelé e da nossa mídia. Nossos bons jogadores saem ainda cedo para a Europa ou para o Oriente Médio; os clubes deixaram de ser formadores de craques para formarem mercadorias, enquanto as grandes mídias endeusam jogadores medíocres, estrelas de fogo fátuo.

Esta foi a copa das estrelas, com jogadores e treinador preocupados em fazer propagandas de grandes marcas, como chuteiras, televisões, telefonias e outras empresas. Não jogamos futebol, apenas fizemos marketing e, graças aos deuses mais justos do futebol, perdemos para uma seleção que mostrou seriedade e objetividade. Muita coisa vai mudar, e que este seja o final de uma era de estrelas para que voltemos à era do nosso verdadeiro futebol.

Enfim a copa acabou. Voltemos à realidade, com nossos problemas e nossos sonhos. Que sejamos, pelo menos, capazes de votar conscientes nas próximas eleições. Tenho dito!

segunda-feira, 7 de julho de 2014

O FUTEBOL DE ONTEM E HOJE

Você que é muito jovem talvez nem saiba, mas, o futebol naquela época não era coisa de homem. Era coisa de menino, de craques, com habilidade e malemolência. Não existiam os superatletas, que tanto abundam por aí. Havia, sim, os caras saudáveis, que aguentavam correr durante os 90 minutos, sem deixar cair o ritmo da partida. Mas os jogos não eram tão rápidos, nem tão violentos, nem tão feios. Eram plásticos, emocionantes, instigantes.

Na década de 90. Quando eu ainda era criança, o futebol já pensava em decair; mas, acredite, ainda existia beleza dentro das quatro linhas. Craques como Romário, Bebeto, Neto, Éder Aleixo, Ronaldinho, sabiam como tratar a redonda, com carinho, com respeito, com autoridade. E era assim que, todas as tardes, de sábado ou domingo, eu escutava, na voz de Willy Gonser, pelas ondas da Itatiaia, os jogos do Galo, com Taffarel, Márcio Santos, Paulo Roberto Prestes, Gutemberg, Doriva, Valdir Bigode... Enquanto corria, com uma bola de meia, todo o quintal da minha casa.

Durante a semana, brincávamos pelos campinhos de várzea da cidade, com bolas “dente de leite”, bolas de meia ou capotões, chutando tocos, pedras, areia e mato, sonhando em ser jogadores de futebol. Não pensávamos em ser fortes, bonitos, viris. Queríamos apenas jogar bola, driblar, dar uma caneta, um chapéu, um elástico. Sonhávamos em ser os donos do espetáculo.

De todos nós, nenhum chegou a qualquer grande clube de futebol. Jogamos, por muito tempo, em times de várzea, pelos campinhos da região: Real Madri, Manchester, União, Lion. Talvez o Fabrício pudesse ter sido um bom jogador; o Jélson era muito voluntarioso; o Tinca sempre fora um matador; o Bim tinha tudo para deslanchar... Mas ficamos com o amadorismo dos sonhos e a sabedoria de que tudo era uma grande brincadeira.


Você, que é muito jovem, talvez creia que o Neymar seja um dos nossos melhores jogadores de todos os tempos; que Cristiano Ronaldo seja um deus do futebol, que o Messi seja insuperável. Mas, acredite, o futebol não é mais o mesmo. Hoje temos máquinas jogando futebol, antigamente, tínhamos jogadores brincando com a bola nas quatros linhas. Não digo que estes ou aqueles sejam melhores ou piores, mas, tenho a certeza de que a magia do futebol, esta, há muito vem se perdendo, nas modernidades desta vida.

domingo, 6 de julho de 2014

O PAÍS DO FUTURO ESTÁ EM FÉRIAS

Faz algum tempo que não escrevo neste espaço. A verdade é que, devido aos inúmeros jogos da Copa e o período de férias escolares, as leituras e produções textuais têm ficado em segundo plano (o que não deveria acontecer!). Mas a vida prosseguiu neste ínterim, e muita coisa aconteceu. Alguns acontecimentos foram bons, outros nem tanto, mas, vida que segue, e pedras a quebrar.

Durante as férias, enquanto descansava da sala de aula, aproveitei para trabalhar como servente de pedreiro, em Coração de Jesus, quebrando pedras, malhando valas para a construção de um muro, pegando sol e falando sobre o futebol. E sobre isto, a descrença no selecionado brasileiro ainda persiste; afinal, o Brasil tem vencido os seus jogos, mas, ainda não me convenceu das suas reais intenções na Copa.

Na política, tenho visto e ouvido muita coisa. Ainda acho que muito do futuro político da Dilma dependerá do Brasil nos jogos. A Copa do Mundo tem esfriado o interesse dos brasileiros pela disputa presidencial. Ainda assim, creio que não temos o candidato ideal. Este não é a Dilma, nem o Aécio ou o Campos. Estamos mal de políticos.

Neymar fraturou uma vértebra e ficará por algum tempo sem jogar futebol. Perdemos o nosso maior craque e todo mundo ainda continua chocado com o acontecimento, chegando-se ao ponto, inaceitável, de ameaçar o colombiano de morte, chamando-o de assassino e outros insultos. Enquanto isso, em Belo Horizonte, um viaduto caiu, ferindo, matando pessoas, e nem mesmo uma CPI para investigar o caso foi aberta. Daqui a pouco ninguém se lembrará mais do acidente, mas, recordarão, cheios de ira, do “assassino” que tirou o menino Neymar da Copa.

Vejo que não perdi muita coisa nestas férias. Afinal, o Brasil continua o mesmo de sempre. Ainda vivemos a velha política do “Pão e Circo”, bastando-nos um pouco de comida à mesa e algumas festinhas para alegrar a nossa vida. Não sou tão pessimista quanto ao nosso futuro: creio que, mesmo sem o Ney, podemos conquistar o Hexacampeonato, assim como acredito que, algum dia, ainda que bem distante, teremos políticos honestos, cidadãos politizados e, quem sabe, um país melhor para todos. Daí, então, seremos o decantado “País do Futuro”.