Dizem
que Maria-da-Faca existiu de verdade. Morava no Sanharó e – isto era o que lhe
dava o vulgo- andava sempre com dois facões na cintura. De praxe, era uma
pessoa tranquila, mulher de hábitos simples e andar cabisbaixo. Muito
respeitosa, não gastava de brincadeiras ou chacotas; mas, aceitava de bom grado
algumas doses de conversa e um trago de pinga para esquentar o frio de mês de
Julho, que sempre se fazia para ela.
Namorado,
pelo que se sabe, nunca tivera. Se bem que naqueles tempos, no meio do mato,
longe dos progressos urbanos, alguns viviam ainda como bichos e quase tudo era
válido, sem que os outros tomassem conhecimento. Mas, é fato que
Maria-das-Facas não gostasse de conversar sobre homens, nem com homens. Daí é
que surgiram várias das muitas lendas sobre ela.
Dizem
que certa feita, enquanto andava pela capoeira, a procura de garranchos para
atiçar o fogo, Maria defrontou-se com um vaqueiro que, bêbado, cambaleava sobre
um cavalo magricelo. De certo, estaria ele vindo de Zé de Cristino ou de
Paulão. Era domingo, dia de missa, de jogo, de bebedeira. Ela havia ido à missa
de manhã. Não quisera ver o jogo, nunca gostara de multidões. Preferira ir
embora, cuidar dos bichos que ficaram no rancho.
O
homem veio para o seu lado. Dera um cumprimento preguiçoso e começara a descer
do cavalo. Maria, que o conhecia de uma fazenda próxima, não fizera qualquer
menção de correr, mas, segurara firmemente uma das facas. O bêbado,
cambaleante, com os olhos quase fechados, caminhava torto para o seu lado,
conversando uma língua embolada, tropeçando nos tocos, fedendo a pinga com
limão.
O
sol já estava se pondo e Maria não havia achado muita coisa por ali. Antes
tivesse ido embora, procuraria os garranchos mais perto do rancho e não teria
que aguentar àquela aporrinhação. Com cara de nenhum amigo, ordenou que o
abusado se afastasse, que pegasse o seu cavalo e partisse; mas o homem
fizera-se de desentendido. Chegou-se junto dela e pôs a mão em seu ombro, já
quase beijando a sua boca.
Maria
sentiu um arrepio tomar todo o seu corpo. Nunca sentira um homem tão de perto,
com todo aquele calor, aquele cheiro, aquele suor. Suas pernas tremeram, as
mãos começaram a suar e um frio intenso começava a tomar conta da sua barriga.
Mas, antes que se apaixonasse, quando ele já encostava o seu corpo no dela, com
um abraço desajeitado, eis que a faca de Maria perfurou o seu bucho. E tudo
começou a fazer sentido para ambos.
Maria
guardou a faca, pegou o pouquinho de gravetos que achara e voltou para casa,
enquanto o bêbado, estatelado no chão, rezava as orações que o padre havia
ensinado de manhã. Dizem que o acharam, ainda vivo, na manhã seguinte, já com
as formigas passeando pelo corpo,
enquanto Maria-da-Faca, banhava-se em água fria, só pra ver se abaixava o fogo.
Elismar
ResponderExcluirBela crônica. E o bêbado se ferrou, tropeçou nas próprias pernas. Maria-da-Faca ficou com o fogo e com a faca, mas depois deve ter-se deliciado n]ao com um bêbado, mas sim alguém que lhe acolhesse com mais dignidade.
Abraços
Adalbertpo Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau.
É um barato ler suas crônicas Elismar. Meus parabéns mestre!
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