quinta-feira, 23 de março de 2017

ARNALDO E A POLÍTICA

Nestes dias tenho evitado sair à rua. Prefiro ficar em casa, sentado no velho banco da varanda, tomando minha cachaça, olhando a lagoa, pensando nos problemas dos outros. Também tenho lembrado o meu amigo Arnaldo. Vez ou outra a sua minha esposa senta-se ao meu lado e ficamos olhando a paisagem. Ela não diz qualquer palavra, mas sei que ainda se lembra do marido. Respeito a sua dor, ainda mais que nem uma notícia dele nos tem chegado.

Se o Arnaldo, de fato, não mais estiver entre nós, embora seja grande a minha dor, aprazo-me por ele não ver as tantas enrascadas pelas quais o brasileiro tem passado. Se vivo estiver, imagino a sua dor ao ver tanto desmando numa única nação. Da minha parte, em nada me afetam a Terceirização, a Previdência e a Reforma Trabalhista: do que tenho guardado, vivo por mais algumas boas gerações.

O amigo, a quem um dia ainda espero encontrar, para juntos tomarmos algumas doses de cachaça e comermos os quitutes da minha sua esposa, era, realmente um sujeito solidário. No seu jeito simples e direto, o Arnaldo diria que tudo isso é culpa do povo, culpa nossa, que não sabemos votar e nem cobrar dos nossos políticos.

De certa forma, eu haveria de concordar com o amigo; mas ele certamente continuaria dizendo que ainda é tempo para se consertarem as coisas, que bastaria o povo ir para as ruas, protestar, cobrar, gritar, espernear os seus direitos e o seu futuro. Ele era mesmo um visionário! Era um pobre coitado que sempre acreditara na força do povo para reverter os problemas da nação.


No fundo, eu até concordo com as ideias do Arnaldo; mas prefiro ficar quieto no meu canto, a espera de alguma solução plausível. Por enquanto, contento-me com os afagos da minha esposa do amigo e fico sempre de espreita, no aguardo de quando ele há de chegar, com seu jeito matuto, pedindo mais um copo de caninha.

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