quinta-feira, 29 de março de 2012

O CHORO DA MENINA


O CHORO DA MENINA


O sono, para algumas coisas, ainda é o melhor remédio. Um friozinho dengoso entra pela janela e, ao longe, uma grande nuvem negra dá o ar de sua graça; daqui a pouco cairá uma chuva daquelas. Deitada na cama, a menina chora. Não por causa de um namoro terminado ou pela morte de algum ente querido; chora por que sente vontade e isso lhe dá prazer.
Não me venham com preconceitos! Há vários tipos de se chegar ao prazer. Algumas pessoas o sentem fazendo sexo, outras através da bebida, por via dos esportes radicais e outros, ainda, sentem prazer em não fazer nada; simplesmente ficam assentados em um sofá, olhando para o teto, sem nada a lhes perturbar a mente. Aquela menina não. Não tem idade para sexo – é ainda uma criança; nem para beber ou para os esportes de ação e nunca fora de ficar muito tempo parada, nem de estátua gostava de brincar.
A mãe já a levara ao médico. O homem, com jaleco e óculos, munido de caneta e receituário, indicou remédios, tratamentos; disse que era depressão, das fortes; que se não cuidasse logo poderia levá-la a alguma besteira. A mãe ficara assustada, mas ela não se importou; sabia que não tinha doença alguma, simplesmente tinha uma imensa vontade de chorar, e chorava, fácil assim. Além do mais, ela mesma sabia o seu remédio: dormir.
Eis que a menina chorava copiosamente, por horas a fio; até que pegasse no sono. Depois de dormir por um bom tempo, levantava-se e prosseguia com a sua vida como se nada tivesse acontecido; o que, de fato, era verdade: nada houvera acontecido. A mãe demorou a acostumar-se, mas foi convencida pelo marido que, quando jovem, tinha mania parecida com a da filha. Não chorava, mas trancava-se no quarto e deitava-se na cama, punha-se a olhar o teto, até que adormecesse feito um inocente.
Agora, lá está a pobre menina; chorando copiosamente, como se uma grande catástrofe houvesse acontecido. Na cozinha, a mãe prepara o jantar; na sala, o pai assiste à novela das dezenove horas e lá fora, já não tão longe como antes, a nuvem negra, toda pesada, arrasta-se lentamente, cheia de vontade de estourar e dar um banho na sociedade.

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