O
CHORO DA MENINA
O sono, para algumas
coisas, ainda é o melhor remédio. Um friozinho dengoso entra pela janela e, ao
longe, uma grande nuvem negra dá o ar de sua graça; daqui a pouco cairá uma
chuva daquelas. Deitada na cama, a menina chora. Não por causa de um namoro
terminado ou pela morte de algum ente querido; chora por que sente vontade e isso
lhe dá prazer.
Não me venham com
preconceitos! Há vários tipos de se chegar ao prazer. Algumas pessoas o sentem
fazendo sexo, outras através da bebida, por via dos esportes radicais e outros,
ainda, sentem prazer em não fazer nada; simplesmente ficam assentados em um
sofá, olhando para o teto, sem nada a lhes perturbar a mente. Aquela menina
não. Não tem idade para sexo – é ainda uma criança; nem para beber ou para os
esportes de ação e nunca fora de ficar muito tempo parada, nem de estátua
gostava de brincar.
A mãe já a levara ao
médico. O homem, com jaleco e óculos, munido de caneta e receituário, indicou
remédios, tratamentos; disse que era depressão, das fortes; que se não cuidasse
logo poderia levá-la a alguma besteira. A mãe ficara assustada, mas ela não se
importou; sabia que não tinha doença alguma, simplesmente tinha uma imensa
vontade de chorar, e chorava, fácil assim. Além do mais, ela mesma sabia o seu
remédio: dormir.
Eis que a menina
chorava copiosamente, por horas a fio; até que pegasse no sono. Depois de
dormir por um bom tempo, levantava-se e prosseguia com a sua vida como se nada
tivesse acontecido; o que, de fato, era verdade: nada houvera acontecido. A mãe
demorou a acostumar-se, mas foi convencida pelo marido que, quando jovem, tinha
mania parecida com a da filha. Não chorava, mas trancava-se no quarto e
deitava-se na cama, punha-se a olhar o teto, até que adormecesse feito um
inocente.
Agora, lá está a pobre
menina; chorando copiosamente, como se uma grande catástrofe houvesse
acontecido. Na cozinha, a mãe prepara o jantar; na sala, o pai assiste à novela
das dezenove horas e lá fora, já não tão longe como antes, a nuvem negra, toda
pesada, arrasta-se lentamente, cheia de vontade de estourar e dar um banho na
sociedade.
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