NUMA TARDE DE FRIO
Tarde fria e
mesmo assim os estudantes esperam o ônibus. Ela não espera o ônibus, espera a
noite. Uma noite fria, solitária, triste como todas as outras. Não tem
esperança, pois sabe que será a escuridão a sua única companheira. Companhia
antiga e fiel, que sempre estivera ao seu lado, entendera os seus problemas e,
acreditem, até mesmo já lhe deu conselhos.
Já quisera ter
um cachorrinho, quem sabe até um gato. Melhor não; animais bagunçam, barulham,
sujam a casa. Melhor mesmo é a solidão, com sua silenciosa compreensão. De onde
está, debruçada na janela, observa os estudantes, cada um com sua juventude,
todo o viço a transpirar pelo corpo, os hormônios em efervescência, a vida em ebulição. Sente
saudade, tem vontade de voltar, de chorar; mas sabe que nada disso resolverá.
O sol se
esconde detrás dos morros. Vai devagar, cerimoniosamente, se escondendo,
abaixando, adentrando as serras, por trás dos pés de eucalipto. Um dia ela
sonhara em subir aos céus. Não como astronauta, nem como pássaro ou anjo;
queria subir pelos braços de um grande amor. Não conseguiu e, depois disso,
desistiu de viver.
Já tivera um
grande amor. Ele era lindo, alto, loiro, de olhos azuis, voz firme, bonita, era
um gentleman, como eram os artistas de cinema. Chegou numa manhã de sol, num
majestoso cavalo branco; prometeu mundos e fundos, jurou amor eterno; levava-a
para passear, tomar sorvete, ver o pôr-do-sol... Era o amor da sua vida. Mas um
dia, numa tarde de chuva, tudo isso se acabou. A barriga estava grande, a barba
por fazer, os cabelos por cortar... Subiu num caminhão e partiu para nunca mais
voltar.
Não quisera
mais ir aos céus. Jogou todos os livros fora: Ágata cristie, Sidney Sheldon,
Drummond, Paulo Coelho, Manuel Bandeira, Érico Veríssimo. Nem ao menos os
jornais lia mais; não assistia novelas; não ligava o rádio. Ficava na janela
apenas, até que a noite caísse por inteiro. Talvez a espera do grande amor que
se fora; quem sabe se a esperar um novo amor. O certo é que ao anoitecer ela se
recolhia, apagava as luzes e tudo silenciava.
O único gemido
que se escutava, nas altas horas da noite, era um gemido que nunca ninguém
conseguiu distinguir. Não se sabia se era de dor ou prazer, de tristeza ou
alegria. Numa noite fria, depois que os estudantes subiram e o ônibus partiu,
ela fechou a janela. Nesta noite não houve gemido, apenas o barulho triste de
um caminhão que chegava lentamente, parava em frente a sua porta e, depois,
partia. Ninguém mais a viu. Ninguém mais sobre do seu paradeiro. Ninguém mais
prestou atenção às tardes de frio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário