segunda-feira, 19 de março de 2012

NUMA TARDE DE FRIO


NUMA TARDE DE FRIO



Tarde fria e mesmo assim os estudantes esperam o ônibus. Ela não espera o ônibus, espera a noite. Uma noite fria, solitária, triste como todas as outras. Não tem esperança, pois sabe que será a escuridão a sua única companheira. Companhia antiga e fiel, que sempre estivera ao seu lado, entendera os seus problemas e, acreditem, até mesmo já lhe deu conselhos.
Já quisera ter um cachorrinho, quem sabe até um gato. Melhor não; animais bagunçam, barulham, sujam a casa. Melhor mesmo é a solidão, com sua silenciosa compreensão. De onde está, debruçada na janela, observa os estudantes, cada um com sua juventude, todo o viço a transpirar pelo corpo, os hormônios em efervescência, a vida em ebulição. Sente saudade, tem vontade de voltar, de chorar; mas sabe que nada disso resolverá.
O sol se esconde detrás dos morros. Vai devagar, cerimoniosamente, se escondendo, abaixando, adentrando as serras, por trás dos pés de eucalipto. Um dia ela sonhara em subir aos céus. Não como astronauta, nem como pássaro ou anjo; queria subir pelos braços de um grande amor. Não conseguiu e, depois disso, desistiu de viver.
Já tivera um grande amor. Ele era lindo, alto, loiro, de olhos azuis, voz firme, bonita, era um gentleman, como eram os artistas de cinema. Chegou numa manhã de sol, num majestoso cavalo branco; prometeu mundos e fundos, jurou amor eterno; levava-a para passear, tomar sorvete, ver o pôr-do-sol... Era o amor da sua vida. Mas um dia, numa tarde de chuva, tudo isso se acabou. A barriga estava grande, a barba por fazer, os cabelos por cortar... Subiu num caminhão e partiu para nunca mais voltar.
Não quisera mais ir aos céus. Jogou todos os livros fora: Ágata cristie, Sidney Sheldon, Drummond, Paulo Coelho, Manuel Bandeira, Érico Veríssimo. Nem ao menos os jornais lia mais; não assistia novelas; não ligava o rádio. Ficava na janela apenas, até que a noite caísse por inteiro. Talvez a espera do grande amor que se fora; quem sabe se a esperar um novo amor. O certo é que ao anoitecer ela se recolhia, apagava as luzes e tudo silenciava.
O único gemido que se escutava, nas altas horas da noite, era um gemido que nunca ninguém conseguiu distinguir. Não se sabia se era de dor ou prazer, de tristeza ou alegria. Numa noite fria, depois que os estudantes subiram e o ônibus partiu, ela fechou a janela. Nesta noite não houve gemido, apenas o barulho triste de um caminhão que chegava lentamente, parava em frente a sua porta e, depois, partia. Ninguém mais a viu. Ninguém mais sobre do seu paradeiro. Ninguém mais prestou atenção às tardes de frio.

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