quinta-feira, 22 de março de 2012

DOIS MUNDOS

    Convicto de sua inocência ele atropelou o pobre rapaz. Passou por cima, como se aquele fosse apenas um pedaço de pano velho, e foi embora sem nem ao menos olhar para trás. Foi para casa, para o conforto do seu lar, sob as asas quentes dos seus pais, enquanto o corpo permanecia imóvel no asfalto ainda quente e os pais choravam a perde de um ente querido.
     Depois vieram os advogados, cada um com sua mala negra e seus pensamentos judiciais. Fizeram a interpretação do caso, conferiram as laudas, deram o acontecido por encerrado; enquanto numa salinha apertada de uma casinha qualquer, uma família sentia a falta terrível de um filho, de um irmão, de um ente querido. A morte fazia a sua ronda noturna.
     Os seguranças não o deixavam respirar; não podia ver e nem ser visto, apenas o peito lhe doía; e era uma dor forte, quase insuportável. Não era dor de pancadas ou outra coisa tátil, era dor de sofrimento, remorso, culpa. Mas, eis que os advogados vieram, vieram os seguranças, os pais e a imprensa, todos a fim de confortá-lo.
     Enquanto isso, numa casinha suburbana, uma mãe rezava para Nossa Senhora, pedindo que guiasse o caminho do filho na eternidade, e aproveitava-se para perdoar quem o matara; não sentia mágoa, ódio ira, apenas uma dor forte no peito, que ela sabia, nunca haveria de cessar.

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