NOS TEMPOS DA ESCOLINHA
A escolinha ficava à
Avenida Montes Claros, próxima ao hospital. Tinha umas seis salas, todas
desproporcionais, umas enormes e outras minúsculas e o único filtro com água
ficava dentro de uma delas, assim, os alunos sedentos tinham que adentrar a
sala de aula de uma outra turma, em meio a uma explicação da professora, a fim
de saciar a sua sede.
A merenda é uma das
poucas coisas das quais não me esqueci. Ora era sopa de letrinhas, arroz com
feijão ou leite com Quic (um tipo de achocolatado, com gosto de morango). Não
havia café da manhã. Chegávamos às sete; guardávamos o material nas salas e
íamos para o pátio, para que se hasteasse a bandeira enquanto cantávamos o Hino
Nacional. Sempre havia uma mensagem para ser lida. Lembro que eu lia com
freqüência e, invariavelmente, ganhava um beijo da diretora.
As professoras tinham
sempre o mesmo perfume: perfume das professoras. Hoje não; cada uma tem o seu
cheiro particular, geralmente um perfume de marca, comprado em consórcios de
revistas. Minha primeira professora foi a Dona Benedita e a única lembrança que
tenho dela é uma foto de formatura, do pré-escolar, em que ela aparece com o
pescoço de girafa, talvez olhando um acontecimento ao longe. Depois vieram Dona
Raimunda, Dona Sérgia e Dona Dilma. Esta era irmã da segunda e ainda hoje não
sou capaz de distingui-las, embora uma tenha o cabelo loiro e a outro negro.
Dona Sérgia foi a que
primeiro me fez escrever de verdade. Era um livreto, cujo título era “Minha
Pátria”. Todos os alunos da sala fizeram um exemplar e, depois, expusemos no
saguão do Banco do Brasil. Foi naquele dia que recebi o primeiro elogio por
conta de uma produção minha. Muitos
textos vieram tantos, já os elogios não tão freqüentes. Dona Dilma já fora em
uma outra escola, mas foi aqui lembrada pela semelhança com a irmã; esta que,
por sinal, fora minha professora durante muito tempo, nos três primeiros anos
fora do pré-escolar.
Tempos bons aqueles, em
que não havia preocupações, problemas, não havia outras realidades que não
fossem a infância e suas fantasias. Hoje levo a minha filha na escola, a mesma
que estudei, embora esteja num outro endereço, e procuro pelas minhas
educadoras; cheiro forte aquele ar, talvez na esperança de reencontrar o
perfume das professoras, o cheiro da merenda daqueles tempos. Tolice de uma
infância perdida; não existem mais aqueles cheiros, tudo se perdeu, até mesmo a
magia que nos fazia acordar de manhãzinha para ir à escola.
Talvez nem mesmo esta
magia existisse. O que havia era apenas a poesia que crescia dentro do meu
peito pueril a espera de que em algum momento pudesse despertar e saltar para
fora, em busca de um porto seguro onde pudesse se expressar. Ainda assim espero
que, um dia, minha filha possa olhar para trás e perceber o quanto era bom
chegar na sala de aula e sentir o cheiro forte do perfume da professora, o
cheiro e o gosto da merenda e o prazer das novas
descobertas, dentro de um mundo mágico, o mundo da escola.
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