quarta-feira, 28 de março de 2012


NOS TEMPOS DA ESCOLINHA



A escolinha ficava à Avenida Montes Claros, próxima ao hospital. Tinha umas seis salas, todas desproporcionais, umas enormes e outras minúsculas e o único filtro com água ficava dentro de uma delas, assim, os alunos sedentos tinham que adentrar a sala de aula de uma outra turma, em meio a uma explicação da professora, a fim de saciar a sua sede.
A merenda é uma das poucas coisas das quais não me esqueci. Ora era sopa de letrinhas, arroz com feijão ou leite com Quic (um tipo de achocolatado, com gosto de morango). Não havia café da manhã. Chegávamos às sete; guardávamos o material nas salas e íamos para o pátio, para que se hasteasse a bandeira enquanto cantávamos o Hino Nacional. Sempre havia uma mensagem para ser lida. Lembro que eu lia com freqüência e, invariavelmente, ganhava um beijo da diretora.
As professoras tinham sempre o mesmo perfume: perfume das professoras. Hoje não; cada uma tem o seu cheiro particular, geralmente um perfume de marca, comprado em consórcios de revistas. Minha primeira professora foi a Dona Benedita e a única lembrança que tenho dela é uma foto de formatura, do pré-escolar, em que ela aparece com o pescoço de girafa, talvez olhando um acontecimento ao longe. Depois vieram Dona Raimunda, Dona Sérgia e Dona Dilma. Esta era irmã da segunda e ainda hoje não sou capaz de distingui-las, embora uma tenha o cabelo loiro e a outro negro.
Dona Sérgia foi a que primeiro me fez escrever de verdade. Era um livreto, cujo título era “Minha Pátria”. Todos os alunos da sala fizeram um exemplar e, depois, expusemos no saguão do Banco do Brasil. Foi naquele dia que recebi o primeiro elogio por conta de uma produção minha.  Muitos textos vieram tantos, já os elogios não tão freqüentes. Dona Dilma já fora em uma outra escola, mas foi aqui lembrada pela semelhança com a irmã; esta que, por sinal, fora minha professora durante muito tempo, nos três primeiros anos fora do pré-escolar.
Tempos bons aqueles, em que não havia preocupações, problemas, não havia outras realidades que não fossem a infância e suas fantasias. Hoje levo a minha filha na escola, a mesma que estudei, embora esteja num outro endereço, e procuro pelas minhas educadoras; cheiro forte aquele ar, talvez na esperança de reencontrar o perfume das professoras, o cheiro da merenda daqueles tempos. Tolice de uma infância perdida; não existem mais aqueles cheiros, tudo se perdeu, até mesmo a magia que nos fazia acordar de manhãzinha para ir à escola.
Talvez nem mesmo esta magia existisse. O que havia era apenas a poesia que crescia dentro do meu peito pueril a espera de que em algum momento pudesse despertar e saltar para fora, em busca de um porto seguro onde pudesse se expressar. Ainda assim espero que, um dia, minha filha possa olhar para trás e perceber o quanto era bom chegar na sala de aula e sentir o cheiro forte do perfume da professora, o cheiro  e  o gosto da merenda e o prazer das novas descobertas, dentro de um mundo mágico, o mundo da escola.

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