UMA
HISTÓRIA TRISTE
Paçoca de
carne seca era o almoço daquele dia, um pequeno punhado que alguém lhe dera. O
pensamento dele sempre voando, olhando para o caos que se formava à sua volta,
os prédios enormes, os carros fumacentos, as pessoas apressadas. Ao seu lado um
velho violão, o qual ele nunca tocara e nem mesmo iria tocar, por não saber e
não lhe houver qualquer apreço pelo instrumento. Aquilo fora um presente de
algum transeunte, que o vira sentado à beira do caminho e resolvera
presenteá-lo, talvez por pena ou, quiçá, por ódio do violão.
Ele passava
todo o dia sentado naquela calçada. Não pedia, nunca tivera coragem de fazê-lo;
deixava apenas o pires do lado e quem quisesse que colocasse a sua esmola. Não
olhava para quem passava, ficava sempre de cabeça baixa, ora cochilando, ora
lendo um livro. Estes, aliás, eram seus únicos companheiros. Geralmente dados
pelas pessoas que passavam; livros velhos, mas que sempre lhe traziam novas
histórias, novos sonhos, novas esperanças.
Fazia uns dez
anos que perambulava pelas ruas e já havia lido vários enredos interessantes. O
primeiro, e deste lembrava-se bem, fora um grosso exemplar de “OS SERTÕES”, de
Euclides da Cunha, que contava a história de um velho doido que era seguido por
vários sertanejos e a quem chamavam de profeta, um tal Antônio Conselheiro.
Depois vieram mais de uma centena, mas o que mais chamara a sua atenção foi “Vidas
Secas” de Graciliano Ramos; uma história triste, mas bastante verdadeira, quase
que um retrato de sua vida, seca, sem vida, sem passado, apenas o presente e a
esperança de algum futuro.
Enquanto as
pessoas passavam, ele lia. E, enquanto lia, viajava, fazia planos, sonhava o
futuro. As imagens misturavam-se em sua mente e um personagem ia sobrepondo-se
aos outros; assim, Madame Bovary contracenava com Bentinho, com Amarante
Úrsula, com Ana Terra, ora no sul do país, em São Paulo, Rússia, num
país imaginário que nem nome tinha. E tudo se misturava, destruía-se,
reconstruía-se, infinitamente, até que ele adormecesse.
Numa tarde,
enquanto o sol brilhava intensamente, entregaram-lhe um livro estranho, com
aparência triste; era de um alemão com um nome estranho, algo parecido com
Goethe. Contava uma história apaixonada, triste, trágica; a história de um
rapaz apaixonado, que, por não ter o seu amor correspondido, cometera suicídio.
No início, reluta. Não lê; deixa-o jogado a um canto. Mas o tempo passa, a
curiosidade aumenta e ele o pega para ver a capa...
Passaram-se
alguns dias e ninguém mais o vira. Sumiram-se os livros, o pires, o homem todo
sujo que sempre estava de cabeça baixa e nunca olhava nos olhos. O que restaram
naquela calçada foram somente as histórias que assustavam os que por ali
passavam e, dizem, que nas noites de calor intenso, ainda, hoje é possível
enxergar um homem sentado, naquele mesmo lugar, com um livro triste nas mãos,
escrevendo uma carta e chorando rios de lágrimas.
Sumiram-se os
livros, o pires, a sabedoria daquela calçada. As pessoas continuam passando por
aquela rua, mas, nunca, ninguém prestou a mínima atenção, numa cartinha toda
suja esquecida naquele canto. Era uma carta apaixonada de um homem triste; ecos
de um amor não correspondido.
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