segunda-feira, 26 de março de 2012

UMA HISTÓRIA TRISTE


UMA HISTÓRIA TRISTE



Paçoca de carne seca era o almoço daquele dia, um pequeno punhado que alguém lhe dera. O pensamento dele sempre voando, olhando para o caos que se formava à sua volta, os prédios enormes, os carros fumacentos, as pessoas apressadas. Ao seu lado um velho violão, o qual ele nunca tocara e nem mesmo iria tocar, por não saber e não lhe houver qualquer apreço pelo instrumento. Aquilo fora um presente de algum transeunte, que o vira sentado à beira do caminho e resolvera presenteá-lo, talvez por pena ou, quiçá, por ódio do violão.
Ele passava todo o dia sentado naquela calçada. Não pedia, nunca tivera coragem de fazê-lo; deixava apenas o pires do lado e quem quisesse que colocasse a sua esmola. Não olhava para quem passava, ficava sempre de cabeça baixa, ora cochilando, ora lendo um livro. Estes, aliás, eram seus únicos companheiros. Geralmente dados pelas pessoas que passavam; livros velhos, mas que sempre lhe traziam novas histórias, novos sonhos, novas esperanças.
Fazia uns dez anos que perambulava pelas ruas e já havia lido vários enredos interessantes. O primeiro, e deste lembrava-se bem, fora um grosso exemplar de “OS SERTÕES”, de Euclides da Cunha, que contava a história de um velho doido que era seguido por vários sertanejos e a quem chamavam de profeta, um tal Antônio Conselheiro. Depois vieram mais de uma centena, mas o que mais chamara a sua atenção foi “Vidas Secas” de Graciliano Ramos; uma história triste, mas bastante verdadeira, quase que um retrato de sua vida, seca, sem vida, sem passado, apenas o presente e a esperança de algum futuro.
Enquanto as pessoas passavam, ele lia. E, enquanto lia, viajava, fazia planos, sonhava o futuro. As imagens misturavam-se em sua mente e um personagem ia sobrepondo-se aos outros; assim, Madame Bovary contracenava com Bentinho, com Amarante Úrsula, com Ana Terra, ora no sul do país, em São Paulo, Rússia, num país imaginário que nem nome tinha. E tudo se misturava, destruía-se, reconstruía-se, infinitamente, até que ele adormecesse.
Numa tarde, enquanto o sol brilhava intensamente, entregaram-lhe um livro estranho, com aparência triste; era de um alemão com um nome estranho, algo parecido com Goethe. Contava uma história apaixonada, triste, trágica; a história de um rapaz apaixonado, que, por não ter o seu amor correspondido, cometera suicídio. No início, reluta. Não lê; deixa-o jogado a um canto. Mas o tempo passa, a curiosidade aumenta e ele o pega para ver a capa...
Passaram-se alguns dias e ninguém mais o vira. Sumiram-se os livros, o pires, o homem todo sujo que sempre estava de cabeça baixa e nunca olhava nos olhos. O que restaram naquela calçada foram somente as histórias que assustavam os que por ali passavam e, dizem, que nas noites de calor intenso, ainda, hoje é possível enxergar um homem sentado, naquele mesmo lugar, com um livro triste nas mãos, escrevendo uma carta e chorando rios de lágrimas.
Sumiram-se os livros, o pires, a sabedoria daquela calçada. As pessoas continuam passando por aquela rua, mas, nunca, ninguém prestou a mínima atenção, numa cartinha toda suja esquecida naquele canto. Era uma carta apaixonada de um homem triste; ecos de um amor não correspondido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário