terça-feira, 19 de julho de 2011

DIÁRIO DE BORDO (1º Fragmento)


Um friozinho começa a soprar lá de fora. Levanto-me e fecho a janela. A musiquinha indica que o pronunciamento chegou ao fim. Desligo a TV; mas as palavras da senhora presidenta continuam em minha mente. Não tenho sono; por isso, me levanto e saio. Poderia ir até o bar do Egmar, tomar uma cerveja, comer um tira-gosto, jogar algumas partidas de sinuca. Não, melhor apenas perambular pelas ruas. Faz frio e, ao sair, esqueci de botar a jaqueta. Na certa, amanhecerei resfriado.
Na pracinha, um casal de namorados se abraça tentando se esconder do frio. Não têm qualquer preocupação; não imaginam o que possa estar por acontecer. Tenho raiva, raiva desta nova sociedade. Anda sem qualquer ideal, sem nenhum objetivo que valha. Penso até que o problema possa não ser com a sociedade, mas comigo, com minhas idéias, com minha eterna revolução.
Assento-me na amurada de uma casa. A lua está cheia. Alguns morcegos sobrevoam próximos a uma árvore, feito vampiros em busca de sangue. Lá dentro, um homem tosse desesperado, talvez esteja perto da morte; é uma tosse seca, contínua, sufocante. Imagino o velho – pelo tossido deve ser um homem envelhecido – tossindo, tossindo até que o sangue lhe sai pelas ventas; é um velho branco, dos cabelos embranquecidos pelo tempo e pelas dores que deve sentir no peito; dores de doenças, de lutas, de amores não correspondidos. Devia ser um jovem cheio de ideais; um homem de verdade.
Volto. O casalzinho continua agarrado. Certamente, o coração deles bate forte, sentem um intenso calor subir pela barriga e chegar até o peito; a respiração dele deve estar ofegante, quente, enquanto os seios dela arfam numa respiração exaltada, acelerada. Ele deve sentir vontade de pegá-la no colo, beijá-la, acariciá-la, possuí-la sobre aquela grama verde... Nada que valha mais do que um reles momento de prazer. Essa é a sociedade atual.
Enquanto volto pra casa, penso. Toda a minha vida passa a minha frente, feito um filme de mim mesmo. Sempre tive ideais, o que não implica dizer que sempre pratiquei ações idealistas. Pensava e escrevia. Planejava para que os outros praticassem e, assim, realizava o meu papel perante a sociedade. E agora, quem haveria de fazer a minha tarefa? Já sou um homem casado, com filha e uma situação estável. Deveria deixar o serviço para os mais jovens, a quem tivesse força, vontade, ideal revolucionário... Mas, será que se trata mesmo de uma revolução, ou são apenas devaneios de um ex-combatente?

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