É de manhã. O menino grita “olha o pão, quentinho quentinho!” e eu acordo. Faz frio e Teresa ainda dorme. Levanto-me e vou preparar o café. Ligo a TV, está passando um telejornal; penso em desligar o aparelho, tenho medo de que a senhora presidenta volte a falar. As lembranças vêm a minha mente; sempre a mesma fala e a mesma sensação de que algo de errado estar por acontecer.
Enquanto a água aquece vou até a estante e pego o primeiro livro que vem pela frente: “Memórias do Cárcere”, de Graciliano Ramos. Mera coincidência. Mas, quem sabe?! Talvez esteja por aparecer uma nova Ditadura. Vejamos o Chávez na Venezuela e tantos outros que vêm aparecendo na América do Sul.
Ponho o livro sobre o sofá. Dou uma olhada na água, que ainda não está fervendo. Vou até o quarto de Beatriz e ela ainda dorme. Sento-me novamente e ponho-me a ler as primeiras páginas. Não presto atenção; o que me vem a mente é sempre a lembrança da senhora presidenta na televisão. Renato Machado repassa as notícias, não ouço; tirei o som da TV e alterno-me entre a leitura do livro e a imagem do aparelho.
A água ferve. Levanto-me e ponho a coar o café. Depois, vou a padaria comprar uns pães. Tudo está como antes. Será que tudo isso é apenas uma paranóia em minha mente? Não sei. Ando meio desconfiado, olhando de um lado para outro; tentando encontrar nos olhos de cada transeunte uma faceta confabulatória, algum aspecto de revolução.
Faz frio e, sinceramente, tenho o desejo de que uma chuvinha mansa caia em minha cabeça, talvez para esfriar a mente, quiçá tirar estas loucuras de mim. Não cai; o que sinto é apenas o frio que me arrepia os pêlos e uma sensação estranha de que tenho que ir. Não sei pra onde, nem porque, apenas a sensação de obrigatoriedade. Compro os pães e, enquanto retorno, tenho a convicção de que é chegada a hora.
As duas ainda dormem. Deveria esperar até o anoitecer. Esta era a minha resolução. Mas tenho pressa; não dá pra esperar; eu não posso esperar; também a nação não pode esperar por aquilo que nos estar para acontecer. Por isso, tomo o meu café com pão e manteiga- o de sempre- desligo a TV; não pego qualquer peça de roupa e saio. Não me despeço delas, não gosto, nunca tive tendência a choros e despedidas, em seu lugar escrevo poesias enquanto choro palavras descoordenadas numa folha de papel.
Faz frio e, embora não pareça, tenho vontade de que uma chuva branda caia em minha cabeça. Caminho lentamente, sem saber para onde, porque ou como. Simplesmente ando por caminhos esmos, sempre em busca das palavras da senhora presidenta, repetindo-as calmamente para ver se consigo encontrar o verdadeiro significado. Enquanto isso, um cachorrinho late numa casa próxima. Passo por ele e sigo.
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