"O mundo não é pra amadores". Quando lhe disseram isto, ele ainda era criança. Talvez por isso não tivesse acreditado. Agora tinha certeza, o mundo não é pra amadores. O melhor mesmo era cada um ficar no seu canto, preocupando-se com a sua vida, com os seus míseros problemas. A Pandemia era, verdadeiramente, um grande problema a ser resolvido, mas, quem sabe, poderia ser, também, a oportunidade para que tudo mudasse. Ele já havia pensado nisso; mas, sinceramente, não acreditava.
Apesar dos contratempos, aquele estava sendo um dia bem razoável. Não seria a batida no seu carro que lhe tiraria o sono; não seria a falta de grana que lhe desfaria o sorriso; não seria qualquer mísero problema, que lhe desviaria o foco. Desde algum tempo, pusera na mente que seria feliz, que buscaria seus sonhos, que seria um ser resiliente, e apenas isso. Talvez por isso não se abalasse, não se perdesse, enfim, não se deixasse apagar feito as velhas brasas que queimaram junto de si.
Um cachorro latiu ao longe. Parou, tentando entender a sua língua. Será que reclamava de algo? Talvez estivesse com fome. Talvez sentisse sede. Talvez apenas sentisse falta do seu dono, que, pode ser, teria saído pra trabalhar, e só voltaria à noite; cansado, sem tempo para nem ao menos um afago na sua fronte. Aquele era um ser, de fato, entristecido: preso numa corrente, chorando, sem poder agir.
A oração foi silenciosa, com as mãos juntas ao peito. O silêncio lhe era confortante. A porta fechada; era como se tivesse em outro mundo. Já não se ouvia o choro canino; já não se ouvia o grito das crianças; os carros já não buzinavam nos seus ouvidos. Levantou o pedestal, ajeitou o microfone, vestiu-se de locutor. E do fundo da alma saiu-lhe um som:
- Ei... Teste... Alô!