UM DOS CAPÍTULOS DO MEU NOVO ROMANCE: BEATRIZ.
- Angélica Beatriz de Castro!
Desta forma não poderia dizer o meu nome no cartório, na hora do casamento. Sempre pensara naquela cena: chegando os dois na porta do cartório, ele de terno e gravata – terno escuro, que é mais social e dá um ar de elegância – eu de terninho branco – nunca sonhei com véu e grinalda. Não pensava em casar na igreja. Nunca fui muito ligada à religião (Que Deus me perdoe).
Ia para a escola de tênis Bamba, com uma saia azul e uma blusa branca. Não tinha maiores pretensões, queria casar; ter um filho, ou dois; tornar-me uma verdadeira dona de casa. Sonhava com um marido, como sonhavam todas as menininhas de minha idade. Adormecia abraçada com um ursinho de pelúcia, sonhando com um príncipe encantado que viesse num lindo cavalo branco, me pegasse pelo braço, abraçasse o meu corpo fortemente, beijasse a minha boca com ardor e depois me possuísse como se fôssemos os únicos no mundo inteiro. Depois, acordava toda molhada e envergonhada dos meus sentimentos.
Nunca levara um coleguinha para casa. Sentia vergonha de onde morava; era uma rua de terra, cheia de buracos; uma casinha velha, com porta para a rua e uma janelinha curiosa. Nunca tivera um pai e minha mãe era quem botava toda a comida na mesa, trabalhava em casa de um médico que ajudava-nos com as maiores essencialidades.
Eu não trabalhava. Estudava de manhã; ficava em casa de tarde e adormecia, à noite, abraçada com meu ursinho, sonhando com o príncipe encantado. Não tinha saudade do homem que me fez; o homem que me criava era minha mãe. O marido dela abandonou-me no seu ventre ao saber que eu chegaria. Nunca mais deu qualquer notícia; mas também não procuramos sabê-las.
Minha mãe era uma mulher de fibra. Trabalhava todo o dia, durante todos os dias da semana. Eu arrumava a casa e depois me punha a assistir televisão. Não era uma boa aluna, mas nunca repetira de ano, passei pelos bancos escolares como quem passa de frente a um cemitério, sabendo inevitável, mas não se interessando por tal.
Não éramos felizes. Vivíamos a vida que nos fora dada. Não possuía diversão, não íamos a festas, não conversávamos durante o almoço e, até quando me lembro, nunca me dera um abraço materno. Éramos duas estranhas naquela casa. Mas eu amava aquela mulher, como nunca a outrem amei.
Um dia minha mãe casou-se. Arranjou um homem qualquer e colocou-o dentro de casa. Acabara-se a nossa felicidade; se antes não a tínhamos, nossas vidas viraram um inferno. O homem não trabalhava e, como se acostumara rapidamente, surrava-a todas as noites. Pensei fugir de casa, procurar outro abrigo, um novo lugar para morar. Não tive tempo; numa noite de lua alta, ao invés de apanhar, minha mãe pegou de uma vassoura velha e pôs o maldito pra correr. Senti orgulho dela e voltamos à vidinha de antes.
Não éramos felizes, mas éramos somente as duas; uma segurando a outra, como se fôssemos uma família. E a rotina continuava: escola, casa, cama; até que um príncipe me viesse resgatar. Nunca tinha pensado, mas, naquela noite, abraçada ao ursinho, conclui que, quando o príncipe me viesse buscar, haveria de levar também a minha mãe. Acho que ele leu os meus pensamentos, pois nunca quisera aparecer.
Ainda hoje não mudei o meu nome: Angélica Beatriz de Casto – Bea. Não há mais tempos para mudanças; nunca tive um pai, nunca tive amigos. Agora sei, também nunca tive uma vida de verdade, apenas sonhos e fantasias de um príncipe que nunca quisera aparecer.
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