O ônibus segue
sacolejando pela estrada, desviando de pedras e buracos. Às vezes, o motorista
desvia de algum galho de árvore que mira bem certo no retrovisor; noutras, quase
entra mato à dentro para fugir das costelas que tomam conta do caminho.
Enquanto isso, alguns passageiros mexem no celular, outros cochilam; e ainda há
aqueles que vigiam o motorista, na certeza de que se dormirem este também
dormirá.
A estrada é sempre a
mesma: as mesmas árvores, os mesmos buracos, as mesmas caras todos os dias. O
ônibus leva trabalhadores de uma grande firma, uma empresa estrangeira. Durante
todo o dia, homens e mulheres plantarão, molharão, colherão e, no final do dia,
quando estarão todos cansados, voltarão para casa, para dormirem e, no outro
dia, fazerem tudo de novo.
Lucas não queria estar
ali. Queria mesmo era jogar videogames, assistir televisão, mexer no
computador; mas, fizera seus dezoito anos e, como sua família é muito pobre,
precisa trabalhar para ajudar no sustento da casa. Os estudos ficam para outra
hora, quando já estiver com algum dinheiro que lhe permita sair de casa, viver
a sua própria vida, comprar as suas coisinhas.
Faz um mês que Lucas
entrara na firma e já está cansado. Mexer com plantação é cansativo, ainda mais
debaixo daquele monte de roupas: chapéu, camisa de manga comprida, calça de
pano grosso, luvas, boné e botina de borracha. Já perdeu uns dois quilos, sem
contar que já não tem ânimo nem mesmo para sair à noite. Enquanto mexe no celular,
pensa, e, pensando, lembra-se de quando era criança, na escola; das
brincadeiras na porta de casa; dos namoricos com Carlinha, encostados no muro
de dona Pedra.
A tranquilidade do
ônibus é entediante. Quase todo mundo dormindo. Lucas mexe no celular e pensa.
Amanhã ele não vem. Vai falar com a mãe e se ela brigar sai de casa. Já é um
homem feito, pode trabalhar num armazém, numa loja, numa oficina; tudo mais tranquilo,
menos cansativo e entediante do que aquilo. O pai não falaria nada. Os pais
nunca falam nada, as mães é que taramelam, falam, reclamam. Conversará com o
pai primeiro.
Se Carlinha quisesse...
Ah, Carlinha! Namorariam de novo. Agora seria coisa séria. Namoraria de aliança
no dedo com ela, pediria ao pai, buscaria e levaria ela todos os dias na
escola. Carlinha ainda estava no primeiro ano do Médio. Ele esperaria a formatura
e, depois, se ela quisesse, se casariam. Ela quer, ela há de há de querer.
O pensamento de Lucas
viaja longe, mas ele vê a estrada à sua frente. Sempre senta na primeira
poltrona, pois gosta de ver o que está acontecendo. Nunca confiara em viajar
nos bancos de trás. A viagem segue tranquila, sem nenhuma conversa, sem
qualquer barulho de gente, apenas o ronco triste do motor. De repente, o ônibus
pega velocidade; o motorista parece estar dormindo. Ninguém diz nada. Lucas
olha para as pessoas, alguns dormem, enquanto outros o olham com cara de
assustados. O ônibus segue rumo a uma pirambeira e, antes de o carro cair,
Lucas grita, já se levantando:
- O ônibus vai tombar!
As pessoas acordam
assustadas. O motorista para o ônibus no meio da estrada e repreende-o com os
olhos. Lucas assenta-se novamente, fecha os olhos e finge que volta a dormir.
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