domingo, 3 de novembro de 2019

AINDA CANDINHA



As lembranças da mãe ainda doíam, mas Candinha não reclamava. Preferiu se calar e seguir a vida, assim como fizera a velha desde a morte do marido. Nunca havia reclamado, apenas rezava, e quando chorava, fazia-o silenciosamente debaixo da mangueira. Se a menina via era por ser bisbilhoteira, pois a mãe sempre tinha procurado não demonstrar a sua dor. E Candinha a perdoava: se dera cabo da sua vida, foi porque não aguentava mais. O melhor era não sofrer e nem fazer com que a filha sofresse ainda mais. E isto Candinha compreendia.

O Sarará era um bom lugar para se viver e Arnaldo era um homem bom. A mãe ensinara que nunca devia mentir, e por isso se calava. Ele nunca a havia perguntado, assim como ela também nunca tocara no assunto; mas, se Arnaldo perguntasse, haveria de dizer a verdade: gostava deveras do pobre homem, mas nunca o amara. Talvez tivesse gratidão e, por isso, respeitava e queria bem ao pobre diabo.

O marido não era bonito e já era velho. A diferença de dez anos já se fazia sentir. Ela gozava o fogo da idade, sentia calor, suava, sonhava desejos e imaginava coisas; ele dormia toda a noite como uma pedra, falava sobre a lida na roça, o tratado dos cavalos, as conversas com o Doutor Reis. O patrão era um homem bonito: Loiro, forte, de olhar desavergonhado. Ela sempre pensava nele enquanto se dava ao Arnaldo, senão não gozaria, não sentiria prazer.

Desde quando Arnaldo a tinha tirado de dentro  do rio, sentia-se na obrigação de servi-lo, como se fosse sua escrava, sempre grata por tê-la salvado. Não que ficasse feliz em desvencilhar-se da morte; pelo contrário, aquela seria a sua libertação. Mas ele a tinha liberto de si mesma, dos seus traumas, das suas amarras. Candinha não o amava e se não pensasse no Doutor Reis também não sentiria prazer em deitar-se com ele, pois, que Deus a perdoasse, sentia nojo do seu cheiro de suor, do seu bigode raspando o seu corpo, da sua boca acarinhando o seu pescoço, mas devia-o pela sua vida e sentia-se segura ao seu lado.

O patrão também a desejava, ela sabia disso. Quando, propositalmente, andava de um lado a outro do quintal, molhando as plantas, pegando folhas verdes para o almoço, levando recados do Marido, ela percebia os olhos do homem a lhe comer inteira, como se estivesse pronto a agarrá-la. Ela sentia desejos de que ele o fizesse, mas recompunha-se e abaixava os olhos em sinal de respeito, envergonhada com os seus pensamentos, com seus pecaminosos desejos.

Arnaldo não merecia, mas ela tinha pena. Era um homem simples, sem grandes vontades. Aceitava todas as ordens do Doutor sem reclamar e, ela sentia, ele ainda agradecia por todas as considerações que o patrão lhe reservava. O marido não tinha maldades, não via que o patrão apenas se aproveitava da sua simplicidade, da sua força, do seu suor, enquanto a desejava. E isso lhe crescia a raiva do Arnaldo. Ela o respeitava, sentia-se agradecida, mas tinha raiva, e desejava o Doutor Reis.

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