As lembranças da mãe ainda doíam, mas
Candinha não reclamava. Preferiu se calar e seguir a vida, assim como fizera a
velha desde a morte do marido. Nunca havia reclamado, apenas rezava, e quando
chorava, fazia-o silenciosamente debaixo da mangueira. Se a menina via era por
ser bisbilhoteira, pois a mãe sempre tinha procurado não demonstrar a sua dor.
E Candinha a perdoava: se dera cabo da sua vida, foi porque não aguentava mais.
O melhor era não sofrer e nem fazer com que a filha sofresse ainda mais. E isto
Candinha compreendia.
O Sarará era um bom lugar para se viver
e Arnaldo era um homem bom. A mãe ensinara que nunca devia mentir, e por isso
se calava. Ele nunca a havia perguntado, assim como ela também nunca tocara no
assunto; mas, se Arnaldo perguntasse, haveria de dizer a verdade: gostava
deveras do pobre homem, mas nunca o amara. Talvez tivesse gratidão e, por isso,
respeitava e queria bem ao pobre diabo.
O marido não era bonito e já era velho.
A diferença de dez anos já se fazia sentir. Ela gozava o fogo da idade, sentia
calor, suava, sonhava desejos e imaginava coisas; ele dormia toda a noite como
uma pedra, falava sobre a lida na roça, o tratado dos cavalos, as conversas com
o Doutor Reis. O patrão era um homem bonito: Loiro, forte, de olhar desavergonhado.
Ela sempre pensava nele enquanto se dava ao Arnaldo, senão não gozaria, não
sentiria prazer.
Desde quando Arnaldo a tinha tirado de
dentro do rio, sentia-se na obrigação de
servi-lo, como se fosse sua escrava, sempre grata por tê-la salvado. Não que
ficasse feliz em desvencilhar-se da morte; pelo contrário, aquela seria a sua
libertação. Mas ele a tinha liberto de si mesma, dos seus traumas, das suas amarras.
Candinha não o amava e se não pensasse no Doutor Reis também não sentiria
prazer em deitar-se com ele, pois, que Deus a perdoasse, sentia nojo do seu cheiro
de suor, do seu bigode raspando o seu corpo, da sua boca acarinhando o seu
pescoço, mas devia-o pela sua vida e sentia-se segura ao seu lado.
O patrão também a desejava, ela sabia
disso. Quando, propositalmente, andava de um lado a outro do quintal, molhando
as plantas, pegando folhas verdes para o almoço, levando recados do Marido, ela
percebia os olhos do homem a lhe comer inteira, como se estivesse pronto a
agarrá-la. Ela sentia desejos de que ele o fizesse, mas recompunha-se e
abaixava os olhos em sinal de respeito, envergonhada com os seus pensamentos,
com seus pecaminosos desejos.
Arnaldo não merecia, mas ela tinha pena.
Era um homem simples, sem grandes vontades. Aceitava todas as ordens do Doutor
sem reclamar e, ela sentia, ele ainda agradecia por todas as considerações que
o patrão lhe reservava. O marido não tinha maldades, não via que o patrão
apenas se aproveitava da sua simplicidade, da sua força, do seu suor, enquanto
a desejava. E isso lhe crescia a raiva do Arnaldo. Ela o respeitava, sentia-se
agradecida, mas tinha raiva, e desejava o Doutor Reis.
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