No interior, desde há muito, o povo grita. E
não é como forma de protesto, nem para brigar ou se fazer ouvir. O povo grita
historicamente, culturalmente, comumente. Se por aqui passasse João Cabral de
Melo Neto, o poeta engenheiro haveria de dizer que os gritos interioranos tecem
a manhã, pois, um a um, eles se juntam, para, em uníssono, despertar o sertanejo.
Lembro-me de quando ainda era adolescente,
perambulando pelas ruas de pedras em Lagoa dos Patos. O silêncio daquela manhã
de domingo era cortado pelo canto dos pássaros que despertavam nas copas das
árvores cuidadosamente podadas em círculos pelos jardineiros locais. As
pessoas, muitas delas, ainda dormiam e um ou outro desavisado descia à padaria
para comprar pão ou seguia para alguma fazenda, buscar o leite das crianças.
Dobrando uma esquina em alta velocidade, de
repente, surgia um “Ôôôôuu! ”, que era rapidamente respondido por outro “Ihuuuu”
e depois um “Iiiuuu” e um monte de outras onomatopeias que se multiplicavam
vindas das diferentes poucas ruas da cidadezinha. E, como que num passe de
mágica, toda a cidade já havia acordado e os homens conversavam nas calçadas enquanto
as mulheres tomavam café escoradas nos portões das casas.
Não havia um código prescrito, assim como não
haviam horários predefinidos; bastando que algum mais afoito gritasse para que
todos continuassem, até que, ao longe, se ouvissem os gritos ecoando, ecoando,
até desaparecer completamente pelos lados da lagoa. Talvez esses mesmos gritos
continuassem se espalhando rapidamente entre os sitiantes, passando pelas
grandes fazendas, até chegarem às cidades vizinhas.
Talvez os gritos que ainda hoje se proliferam
pelas cidades do interior sejam os mesmos de quando eu ainda era adolescente. E
talvez nem mesmo aqueles gritos fossem inéditos. Certamente eram ecos de gritos
longínquos, vindos de outras paragens, de outras plagas, de outras épocas
distantes, que passaram por aquela cidade e continuaram os seus caminhos,
tecendo não a manhã, como sempre fazem os galos poetizados pelo poeta, mas a
vida; mantendo acordados todos os sertanejos que, diariamente, seguem o seu
caminho em busca de uma vida melhor.