Na velha maleta, um bauzinho bem antigo de
cores mortas e cheio de vida, estão alguns papéis importantes, nem tanto pelos seus
valores econômicos, mas, sobretudo, pelas suas forças emocionais e históricas. São
alguns certificados, diplomas, fotografias, poesias, memórias, e até uma
certificação de formatura no MOBRAL, de um tio já falecido.
Algumas vezes, quando o baú já está quase
cheio, ou quando me sobra tempo e falta paciência, ponho-me a esvaziá-lo. E,
sem me ater profundamente em cada lembrança, mando ao lixo aqueles papéis aos
quais menos me apego, para, depois, já com o coração mais leve e a cabeça fria,
arrepender-me de tamanhas atrocidades.
Nestes momentos quando bate o arrependimento,
saio à rua; afinal, como talvez tenha dito algum importante filósofo ou poeta
moderno, “as ruas são o desapego da alma”. É nela que nos libertamos de todos
os pensamentos, sentimentos e lembranças que nos prendem em casa. E isso
acontece enquanto olhamos os transeuntes, ouvimos os barulhos dos carros em
alta velocidade ou, simplesmente, sentamos debaixo de uma velha árvore no meio
de uma pracinha.
É verdade, as ruas, como que por magia, nos
liberta dos pensamentos ainda enclausurados na alma; mas, irremediavelmente, também
trazem outras lembranças, quase sempre de outrem, que há muito se encontravam
adormecidas no fundo daquela maleta, em amarelecidos papéis. E entre cada
mudança de cenário, elas vão se aflorando, com pensamentos, divagações e
contemplações.
Terá sido sentada naquele rústico banco de
madeira, na varanda do velho casarão, quase no meio da praça, ao lado de onde
hoje está o Cristo, que ela escrevera seus melhores poemas? Fora mesmo debaixo daquela
árvore que todos aqueles senhores se reuniram para decidirem qual seria o nosso
futuro? Tudo aquilo que ele escrevera terá mesmo acontecido naquele sobrado, ou
seriam apenas estórias sem qualquer veracidade, meticulosamente escritas para
alimentar nossas ingênuas ilusões?
As perguntas se multiplicam, enquanto os papéis
se revolvem na maleta e as lembranças forçam-na, numa tentativa vã de se
libertarem. O melhor a se fazer é voltar para casa e, assim que o dia
amanhecer, comprar um cadeado. Não é razoável deixar que todas aquelas
lembranças se espalhem. Definitivamente, não seria de bom tom deixá-las fugir.
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