Uma televisão que deu o maior trabalho para carregar,
um relógio parecido com ouro, que depois teria de levar em algum relojoeiro
para confirmar, um notebook Acer velho, que, se vendido na boca, talvez desse
cento e cinquenta ou duzentos, e duas correntinhas banhadas a ouro, que, com
certeza, foram compradas na Hermes ou na Avon.
Deitado na cama, com a televisão ligada, num pequeno
barraco nos fundos de uma casa com um monte de crianças que gritavam o dia
todo, a televisão ligada com os chuviscos aumentando sempre que o ventilador
soprava a tela; a imagem de tudo aquilo parecia até uma miragem. Se não desse
muito na cara, pregaria a tv na parede, colocaria o relógio no pulso, a
correntinha no pescoço, com uma camisa aberta até os peitos, e iria para o
pagode, onde pagaria de bichão a noite toda.
Mal pensara tudo aquilo e o repórter noticiou o
roubo. Não fora nada extravagante, nenhuma casa de rico, nenhum caso de famoso.
A notícia não teria importância se não fosse a vítima um policial; mais ainda:
um policial com as costas largas, talvez um detetive a ponto de se aposentar,
se não um delegado ou sargento, quiçá um amigo de algum político. Pela veemência com que o repórter frisara cada
palavra, uma coisa era certa: o homem era peixe grande!
Já fazia um tempo que exercia a profissão e
nunca tinha dado uma mancada tão grande. Sempre estudava as suas vítimas,
geralmente pessoas de classe média, nem tão ricos, para não dar B.O. e nem tão
pobres, para não ficar com remorso. Também não roubava professores, pois, assim
como dizia seu velho pai “são eles os verdadeiros construtores dessa nossa Nação”,
e Nação é uma coisa com a qual não se deve brincar!
Sobre policiais, nunca chegara a cogitar.
Apesar de tudo era um “sujeito homem”, tinha escrúpulos e, além disso, tinha
amor à sua vida. Por três vezes tinha ido a delegacias e, definitivamente,
aquele ambiente não lhe era agradável. A primeira, ainda criança, fora com a
mãe, numa visita ao pai, que tinha sido preso por um assalto mal sucedido; a
segunda, depois de uma briga por causa de uma ex-namorada, e a última, talvez a
mais traumática, quando colocaram um pacote na sua bolsa, enquanto comia um PF
num restaurante meia-boca do centro.
Se voltasse à cadeia, com as coisas de um
policial, dificilmente sairia de lá. Já tinha sofrido bastante da última vez,
com as ameaças e o medo de ficar encarcerado. Tinha mesmo prometido se endireitar,
arranjar um serviço e ir para a igreja; mas, convenhamos, roubar não exige
grandes habilidades, estudos e inteligência; basta que o cara seja esperto e
corajoso, e, modéstia à parte, tudo isso ele era de sobra.
Era esperto e corajoso, mas tinha amor à sua
vida. Por isso, as pernas tremiam, a mão suava e o coração batia forte no
peito. Da última vez em que sentira tudo isso foi quando quase o pegaram com um
dinheiro que roubara de um velho chato que bebia todos os dias no bar da
esquina e sempre ficava arrotando riquezas. Bem que ele tinha merecido ser
roubado, e tudo teria dado certo se os polícias não tivessem chegado, por
acaso, bem na hora, com ele tendo que jogar toda a grana num lote vago. Depois,
já de madrugada, quando voltara para recuperar o dinheiro, alguém já o tinha
levado.
Agora só tinha um jeito, devolver tudo aquilo. E
era isso que faria, ainda naquela noite, se o pobre homem não estivesse em
casa. Junto haveria de deixar também um bilhete, para que não restasse dúvida
sobre a sua hombridade, como num pedido veemente de desculpas, que, esperava
ele, seria prontamente aceito, afinal, aquele era um caso excepcional, um
descuido de um pobre sujeito arrependido. Levantou-se prontamente e pôs-se a
redigir, com a letra caprichada, sobre a mesinha que ainda nem terminara de pagar,
o bilhete ao policial...
“Estou
devolvendo tudo que foi levado, não quero problemas. Por isso, estou
devolvendo. Se eu soubesse que era casa de polícia, não teria entrado. Me
desculpa. Sou sujeito homem, por isso, estou devolvendo”.
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