segunda-feira, 7 de junho de 2010

SÁ LÚCIA


SÁ LÚCIA

Não sei de onde ela é, nem como apareceu na minha vida. Eu era ainda bem novo quando ela surgiu com sua negritude branca e sua incomparável inocência. Nem a própria sabia sua idade, dizia ter uns sessenta e dezesseis e cinco anos, mais ou menos.
Sempre vinha com seus passinhos lentos, arrastando os sofrimentos que os anos lhe incubiram de suportar; sentava-se numa cadeira velha de madeira – que parecia sempre estar à sua espera, naquele mesmo lugar – começava a puxar um assunto qualquer com minha mãe – assuntos desconexos – e, como que por um encanto, adormecia.
A sua casa era pequenina, não tinha reboco, não tinha muro, apenas uma cerca de arame farpado todo cheio de ferrugem e sacos plásticos e lixo... A casa de Sá Lúcia era o seu retrato – simples e sem luz.
Durante todo o dia perambulava pelas ruas catando sacos plásticos, gravetos e todo o lixo que achasse necessário. Não tinha filhos; dizia já tê-los possuído, não lhe restando mais nenhum dentre tantos.
Nos meses de junho e julho era um sufoco. A velha comprava uns rojões, acendia uma fogueira bem de frente à sua casa e, inocente feito uma criança, jogava toda a caixa de fogos dentro da labareda – era um “Deus nos acuda!”; um dia, porém, alguns rojões estouraram dentro da sua casa e não quiseram mais vender-lhe fogos tão perigosos; passou a comprar apenas traques para as fogueiras, mas a luz que brilhava em seus olhos ainda era a mesma .
Ela era uma criança, simples e sem luz. Mas, com uma sabedoria imensa, foi saindo de mansinho e,sem que ninguém percebesse, recolheu-se num asilo- ou exílio? – talvez na espera que, um dia, um de seus tantos filhos lhe venha buscar.

Coração de Jesus, 04/ 06/ 2010

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