Pelas ruas empoeiradas, sob o sol escaldante e descumprindo às ordens dadas pelas autoridades de saúde, crianças correm atrás de uma bola surrada e encardida. Jogam-na para um lado e para outro; batem-na nos muros e portões; brigam; gritam; reclamam; comemoram; vibram enfim. Pela janela, escondido atrás das tantas grades que nos separam, vejo-las em sua rebeldia infantil, enquanto ouço uma mãe que grita de uma casa qualquer para que o moleque vá se banhar.
Transporto-me à minha infância e ponho-me a resgatar as brincadeiras de bola; as correrias pelas ruas tentando apreender os ladrões ou pegar as bandeiras dos "inimigos"; os esconderijos detrás dos muros ou das latas de lixo; as fogueiras acesas nas calçadas, enquanto contávamos hisórias de horror e sentíamos um friozinho subindo pela espinha, enquanto o coração acelerava. Tempos idos, de poesia e ingenuidade.
Ouço os passos daquelas crianças por sobre os blocos de concreto. O suor lhes descendo pela face e os corpos enegrecidos pelo calor. Então, lembro-me de umas palavras ouvidas há muito, cujo dono nunca pude nomear, de que o menino é o pai do homem. Pobres destes homens modernos, que não têm tempo de brincar, de cantar, de sorrir, de viver! Trabalham apenas; constroem, destroem, reconstroem a vida, sem saber por que, para quê ou para quem. Apenas trabalham, como se fossem simples máquinas programadas.
A mãe chama novamente pela criança. Não sabe ela que aqueles são os momentos mais felizes daquele menino, este que, outrora, será um doutor, um advogado, um mestre de obras, quiçá, será um homem e não mais viverá; não terá tempo, nem vontade de viver. Construirá apenas, como se nada mais lhe valha a pena.
Enquanto olho a cena e penso estas palavras, eis que surge a mãe. Munida com um chinelo em uma das mãos e a testa franzida, recolhendo a felicidade daquela criança; joga-a num saco e esconde bem dentro do seu peitinho cansado; e, arrastando-o pelos braços, bate o portão e a vida abruptamente. Os outros meninos recolhem-se às suas prisões e eu, do meu esconderijo, relembro as tardes inteiras em que éramos felizes e não sabíamos.
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