sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

FOTOGRAFIAS

     O calor sobe do asfalto feito água fervente. Uma senhora passa arrastando uma criança pelo braço, provavelmente uma neta sua. Um cachorro, vorazmente, estraçalha um saco plástico, no lixo da esquina, em busca de alimento. Alguns homens, sentados num velho banco de cimento, debaixo do pé de sete-copas, olham as moças passando, enquanto comem-nas com os olhos. São moças bonitas, jovens, com mínusculos vestidos e shorts, em busca de felicidade e prazer.
     Sentado sob a varanda, no meu banquinho de madeira, tomando minha cerveja, fotografo toda a cena, no meu cérebro velho, traçando um paralelo entre o hoje e o ontem. E vejo que nada mudou, apenas o asfalto, fruto da nova administração. De resto, persistem as senhoras a puxarem seus netos pelo braço, os cachorros a rasgarem os sacos de lixo em busca de alimento, os homens a degustarem as mocinhas passantes. A vida é mesmo uma grande repetição!
     Uma vizinha bate roupa no tanque de pedra. O Eguimar levanta as portas do boteco. O jornaleiro passa entregando as más notícias diárias. Seu Vicente, liga o seu velho radinho de pilhas, um Motobrás original, e aboia suas crias, desde a madrugada, um cabrito acinzentado, duas galinhas garnizés e um cachorro empulgado, num eterno aiôu!, como nas velhas cantigas de antigamente.
     Seu Fulô, desce a rua no seu carro, devagarinho, com o vento quente lhe soprando a cabeça, pensando nos tempos idos. Alguns meninos sobem a rua com uma bola de capotão sob o sovaco. Vão para a barragem, jogar bola na areia quente e tomar banho em sua água lodosa. Uma voz me chama; é carinhosa, meiga, tímida e longíqua. Não responde; pode ser que seja a morte, a indesejada de todos que venha me resgatar. Aquieto em meu canto; tomo o restinho de minha cerveja. Está quente, a cerveja, o asfalto, meu peito. E as lembranças veem feito a água quente que se derrama na garrafa, lá na cozinha de dona Mariinha.

2 comentários:

  1. Goste desse também, muito bom.

    Renato Cheloni

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  2. Através de cenas do cotidiano interiorano, a linguagem de Elismar Santos narra a vida daqueles anônimos conterrâneos seu. Leve, essa linguagem flagra as personagens silenciadas, mas que ali a vida pulsa e o interior significa. Não é banal olhar a vida por esse prisma, o estar distante dos grandes centros parece nos provocar, segundo o que discorre esta crônica, uma redimensão do trivial. Nosso amigo escritor nos instaura essa leitura da vida esquecida de ser vista por olhos sensíveis e atentos, e sua linguagem descontraída nos aproxima da simplicidade. Talvez Elismar grita o silêncio daquele sem voz, do seu Fulô, da dona Mariinha e outros mais...

    Joseyell Dias Oliveira
    Professor de Português

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