Entrou rapidamente e, sob os olhares curiosos dos presentes, sentou-se numa mesa aos fundos, bem junto à velha parede de adobe. Um homem baixo, gordo, com o rosto abatido veio atendê-lo. Não fez qualquer consideração, mas notara que o indivíduo que acabara de entrar estava bastante estranho, ofegante, temeroso até.
Enquanto esperava, pôs-se a observar um embrulho, o qual trouxera debaixo do casaco e, agora, pusera a mostra, sobre a mesa, sem se importar que os outros o visse. Olhava fixamente o embrulho, como se dentro estivesse algo maravilhoso, perigoso, a solução para todos os seus problemas. Depois, passou a observar os outros clientes: uma mulher gorda que comia muito e tinha o queixo e papada tomada por pelos, acompanhada por um homenzinho careca, muito pequeno, com cara de ganancioso; uma velha, cheia de rugas e pés-de-galinha que vestia um vestido caro e pintava os cabelos de acaju com um rapazinho forte, malhado e com espinhas pelo rosto. Pensou que fossem mãe e filho e se alegrava, até que ambos trocassem um beijo apaixonado. Em outra mesa, um grupo de jovens, meninos e meninas, que bebia e fumava sem qualquer pudor enquanto falavam palavras feias e contavam piadas indecentes.
O restaurante estava cheio; além daqueles estavam outros, cada um com seus defeitos, suas pitadas de anomalias para desandar o mundo. Ele sentia a ira aumentar em seu peito; tinha vontade de levantar-se, subir na cadeira e, como nos tempos de engajamento estudantil, discursar suas palavras de ordem contra este mundo putrefeito. Não; não faria isso. Controlou a sua raiva e voltou a fitar o seu embrulho. Estava indignado com o mundo, as pessoas, com todo o sistema implantado pelo capitalismo e seus anjos do mal. Tinha sede de vingança.
Enquanto tomava o café, com o embrulho ao alcance de suas mãos, refletia sobre tudo o que fizera em sua vida até aquele ponto: nada de mais. Nascera e crescera em uma família rica. O pai trabalhava de manhã até à tarde e à noite punha-se a assistir aos noticiários e suas notícias manipuladas. A mãe ficava em casa, sempre ao telefone com as amigas ou na cama com um dos empregados. Para compensar a sua solidão, ganhava brinquedos, brinquedos, brinquedos. Adolescente, saiu de casa. Foi morar numa república cheia de jovens maliciosos, drogados, ladrões. Enturmou-se, conheceu os prazeres e os castigos do mundo. Estudava, mas não concordava com o sistema; ingressou nos movimentos estudantis; foi preso; torturado. Saído da prisão, apaixonou-se por uma menina linda; não fora correspondido; pensou em suicídio; não teve coragem.
Agora, acordara com raiva de tudo e de todos. Tinha vinte anos e uma vida inteira pela frente. Uma vida de desgostos e desenganos; uma vida de sofrimento e padecimento. Deveria acabar com isso. Começaria por aquele restaurante. Nada em particular, apenas um ponto de partida. Chamou o garçom; pagou o café; não agradeceu nem deu gorjeta. Saiu lentamente pela porta, sem olhar para trás, com uma sensação de alívio, sem felicidade, mas quase de prazer.
Seguiu andando até o final da rua e desapareceu. O céu estava cinzento e o sol começava a aparecer por trás de uma nuvem pesada que era levada com dificuldade por um vento fraco. Sobre a mesa ficara o embrulho deixado pelo rapaz. Ninguém notou aquele pacote, ninguém veio buscá-lo. Talvez fosse uma bomba; um presente de um homem apaixonado; quiçá uma vida guardada para um outro momento, uma outra ocasião.
No final do dia, a faxineira encontrou o embrulho ainda sobre a mesa; parou, olhou, prestou atenção. Melhor não abrir, podia ser algum trabalho de macumba, coisa do demônio. Colocou a pá sobre a mesa e com a vassoura empurrou o embrulho. Depositou-o no lixo, sem saber que em algum lugar da cidade um rapaz triste e com a alma cheia de ir ria, ria descontroladamente, tomado pela droga e pela desilusão.
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