sábado, 18 de fevereiro de 2012

A MULHER, O CARNAVAL E A LUA


A MULHER, O CARNAVAL E A LUA



Descia a rua sempre vestida de preto, com um lenço na cabeça e um sapato de salto. Não cumprimentava os vizinhos, não olhava para os lados ao menos; andava alheia a tudo, como se estivesse hipnotizada por alguma porção misteriosa. Os vizinhos já haviam se acostumado, porque todos os carnavais eram iguais: ela saía na sexta à noite e retornava apenas na quarta-feira de cinzas.
Não é que não ficassem curiosos sobre o seu paradeiro, até faziam apostas, tentavam descobrir o que fazia aquela mulher. Alguns diziam que era tarada por carnaval e, por isso, nestes dias embrenhava-se no meio de algum cordão e transformava-se, virava uma linda e jovem ninfa. Ela não era de todo velha, tinha sua meia idade, era viúva e não tinha filhos; não era bonita, sem, contudo, ser feia. Outros diziam que era “filha da lua” e que, por um castigo dos deuses, enlouquecia durante a festa da carne e escondia-se no meio de mato, onde ficava comendo folhas e pequenos insetos.
Outros tantos eram os seus paradeiros, coisas inventadas, fantasias dos desocupados. O certo é que descia na noite de sexta e desaparecia, toda vestida de preto voltando somente na quarta de cinzas ao amanhecer. Confesso a minha curiosidade. Queria segui-la, ver aonde ia. Não o fazia; preferia ficar no meu canto, olhando-a descer, com sua meia idade e sua roupa enegrecida. Ela descia soberana, dona de si, arrancando os olhares alheios, como se fosse a estrela da festa.
Até hoje não sei aonde vai; mas, todas as sextas-feiras carnavalescas, deixo-me ficar no meu cantinho, ansioso por vê-la passar. Nunca se atrasa e sempre desce da mesma forma, com os mesmos trejeitos e a mesma sensualidade que sua experiência lhe trouxe. Não quero saber aonde vai, nem mesmo o que faz, apenas a observo e devaneio, penso, penso e não saio do meu mundo.
É noite de carnaval e ela já vem descendo. Não posso deixar de observá-la. Não é bonita nem feia. É simples e incolor como são todas as mulheres de sua idade, mas o seu ritual a torna diferente, única e nos faz, eu e toda a vizinhança, aquietarmos em nossas portas para vê-la passar. Entretidos com sua passagem não reparamos, mas no céu todo estrelado, uma majestosa lua brilha. Não consigo decifrá-la. Não sei se brilha para iluminar a mulher de roupas enegrecidas ou se com despeito, por perder a sua realeza.
Ela desce, com todos os seus encantos. Lá embaixo, entoam-se marchinhas de carnaval. Entramos para nossas casas enquanto, no céu todo estrelado, uma lua cheia e bela, escreve um lindo poema de amor!

Nenhum comentário:

Postar um comentário