CARNAVAL
Naquela época
a festa ainda era na Montes Claros, de frente ao Mercado novo. Antes é que fora
próximo ao cinema, mas isso já fazia muito tempo. Não, não tinha mais blocos
carnavalescos. Aliás, o último desses carnavais, de que me lembro, aconteceu
ainda na rua de baixo, a do cinema; tinha uma moça bonita que dançava pra lá e
pra cá com um longo vestido rodado e verde. Ela rodava, rodava e o vestido
subia quase que na altura da cintura, enquanto eu ficava de olhos arregalados
querendo ver a cor de sua calcinha. Não via; ela vestia short, um curtinho,
preto, muito preto. Então, meus olhos de menino se apequenavam, até que eu
adormecia no colo de minha mãe.
Depois, já na
Montes Claros, não havia mais blocos e a festa era na base da pipoca. Um palco montado
no meio da rua e todo mundo bêbado pulando pra um lado e pra outro. A festa
começava na sexta, passava pelo sábado, continuava no domingo, prosseguia na
segunda e se arrastava até à meia-noite de terça, pois daí já era quarta-feira
de cinzas e teríamos de descontar os pecados – ou uma parte dos tantos – nas
missas quaresmais.
Havia brigas,
coisas de bêbados que logo se resolviam com a chegada da polícia. O resto era
só a FESTA DA CARNE. Aliás, o próprio nome tem este significado. Nada mais
justo, pois vemos uma grande concentração de carnes humanas, corpos desnudos
passeando em meio à multidão, a nos atiçar a sede e a fome de carne! Naquele
tempo já era assim; já éramos todos sedentos.
Descíamos às
oito. Geralmente dois, ou três; um passava na casa de um, que passava na casa
de outro e outro, até formarmos o grupo. Chegávamos; reuníamos aos outros,
geralmente qualquer um, desde que possuísse uma garrafa de alguma bebida
qualquer e o resto ninguém mais se lembrava. Aquilo sim é que era festa. As
mulatas não desfilavam pela avenida, faziam-no à nossa frente, para que as
possuíssemos e fizéssemos chegarem aos céus. Rebolavam em nossa frente,
abraçavam-nos, jogavam-se aos nossos pés.
Depois,
cansados de tanta badalação, pegávamos nossas mulatas e subíamos ao morro de
Lourdes. De lá, deitados sobre a grama verde, debaixo dos braços do Cristo,
olhávamos a lua, ainda tontos de tanta bebida e com os ouvidos ainda entoando a
marchinha última. Ao longe ainda era possível escutar uma toadinha que vinha
preguiçosa ao nosso encontro. Casaizinhos passavam abraçados; meninos subiam a
rua com as mãos nos bolsos, com suas espinhas latentes e suas mentes poluídas,
enquanto mães preocupadas, faziam vigília aos pés da Santa, pedindo proteção ao
filhinhos desprotegidos.
Ficávamos
deitados, olhando a lua, pensando besteira, falando bobagens. A mulata
descansava a cabeça no meu peito, os botões da camisa abertos; a perna sobre a
minha e os olhos morteiros e, enquanto eu bocejava longamente, ela dizia:
- Bem, que
esta noite dure pra toda a nossa vida!
E durava.
Aquela noite durava enquanto vivíamos; enquanto ouvíamos a marchinha que vinha
de longe e fazia o nosso coração pulsar. Pois era aquela a nossa vida, uma vida
de carne, Carnaval!
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