sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

CARNAVAL


CARNAVAL



Naquela época a festa ainda era na Montes Claros, de frente ao Mercado novo. Antes é que fora próximo ao cinema, mas isso já fazia muito tempo. Não, não tinha mais blocos carnavalescos. Aliás, o último desses carnavais, de que me lembro, aconteceu ainda na rua de baixo, a do cinema; tinha uma moça bonita que dançava pra lá e pra cá com um longo vestido rodado e verde. Ela rodava, rodava e o vestido subia quase que na altura da cintura, enquanto eu ficava de olhos arregalados querendo ver a cor de sua calcinha. Não via; ela vestia short, um curtinho, preto, muito preto. Então, meus olhos de menino se apequenavam, até que eu adormecia no colo de minha mãe.
Depois, já na Montes Claros, não havia mais blocos e a festa era na base da pipoca. Um palco montado no meio da rua e todo mundo bêbado pulando pra um lado e pra outro. A festa começava na sexta, passava pelo sábado, continuava no domingo, prosseguia na segunda e se arrastava até à meia-noite de terça, pois daí já era quarta-feira de cinzas e teríamos de descontar os pecados – ou uma parte dos tantos – nas missas quaresmais.
Havia brigas, coisas de bêbados que logo se resolviam com a chegada da polícia. O resto era só a FESTA DA CARNE. Aliás, o próprio nome tem este significado. Nada mais justo, pois vemos uma grande concentração de carnes humanas, corpos desnudos passeando em meio à multidão, a nos atiçar a sede e a fome de carne! Naquele tempo já era assim; já éramos todos sedentos.
Descíamos às oito. Geralmente dois, ou três; um passava na casa de um, que passava na casa de outro e outro, até formarmos o grupo. Chegávamos; reuníamos aos outros, geralmente qualquer um, desde que possuísse uma garrafa de alguma bebida qualquer e o resto ninguém mais se lembrava. Aquilo sim é que era festa. As mulatas não desfilavam pela avenida, faziam-no à nossa frente, para que as possuíssemos e fizéssemos chegarem aos céus. Rebolavam em nossa frente, abraçavam-nos, jogavam-se aos nossos pés.
Depois, cansados de tanta badalação, pegávamos nossas mulatas e subíamos ao morro de Lourdes. De lá, deitados sobre a grama verde, debaixo dos braços do Cristo, olhávamos a lua, ainda tontos de tanta bebida e com os ouvidos ainda entoando a marchinha última. Ao longe ainda era possível escutar uma toadinha que vinha preguiçosa ao nosso encontro. Casaizinhos passavam abraçados; meninos subiam a rua com as mãos nos bolsos, com suas espinhas latentes e suas mentes poluídas, enquanto mães preocupadas, faziam vigília aos pés da Santa, pedindo proteção ao filhinhos desprotegidos.
Ficávamos deitados, olhando a lua, pensando besteira, falando bobagens. A mulata descansava a cabeça no meu peito, os botões da camisa abertos; a perna sobre a minha e os olhos morteiros e, enquanto eu bocejava longamente, ela dizia:
- Bem, que esta noite dure pra toda a nossa vida!
E durava. Aquela noite durava enquanto vivíamos; enquanto ouvíamos a marchinha que vinha de longe e fazia o nosso coração pulsar. Pois era aquela a nossa vida, uma vida de carne, Carnaval!

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