NAQUELA
ÉPOCA
Naquela época o mundo era grande e o
tempo passava lento, como se estivesse tomado pela preguiça. A rua de minha
casa era de cascalho e as casas cercadas de arame. A música da moda era
SENEGAL, da banda Reflexus e o ritmo do momento era a Lambada. Os bailes
aconteciam no Fred’s Bar, no Chuchu, na Rocinha e na União. Um dia disseram que
o Diabo viria de Pirapora para a Rocinha, passei toda a noite sem dormir,
rezando padres nossos.
Os televisores eram em preto e branco
e transmitiam Jaspion, Giraia, Pantanal e He-man. Sá Lúcia era quem morava na
esquina, numa casinha velha cheia de paus e plásticos velhos. Junto dela morava
Dona Nega que, enquanto aquela rezava, punha-se a xingar palavrões. Nos meses
de Junho e Julho, Sá Lúcia acendia uma grande fogueira em sua calçada, comprava
uma caixa de foguetes e punha-se a jogá-los na labareda, até que a proibiram de
comprar fogos.
Naquela época os ciganos eram figuras
cativas, com seus cavalos bonitos e suas barracas de lona. Andavam por toda a
cidade, vendendo pedras, lendo as mãos e, diziam, pegando as criancinhas
atentadas. Uma vez deixamos o portão aberto e roubaram as colheres de casa.
Vinham também os circos, com seus palhaços, leões, macacos e malabaristas.
Ficavam uma semana e a vida se transformava.
A bola rolava pelas ruas e nas pedras
ficavam nosso sangue e pedaços de nossos dedos. A roupa toda enlameada era
lavada na barragem, enquanto as mulheres conversavam a vida alheia. Quem fazia as
peças eram Lena e Dona Fia e a nossa vontade era vestir a “taça tumpida”
enquanto tomávamos uma gelada “Tota-Tola”.
A feira era feita no armazém do
Flamínio ou no João Benedito e as bandejas de Danone vinham sempre com uma
revistinha dos Trapalhões, com as aventuras de Didi, Dedé, Mussum e
Zacarias. As aventuras de Faroeste eram
lidas no açougue do Mozart, debaixo do velho balcão de ardósia, enquanto ele
atendia os fregueses.
Naquela época o cabelo se cortava com
Seu Mariano e a Baré-cola se tomava no armazém do Ailton. No mercado se
comprava carne de porco e pamonha e a pinga se tomava no boteco de Fabiano. Já
o revólver de jato de água era comprado na barraquinha de frente ao campo de
futebol, era um amarelo, com um recipiente onde era depositada a água e que ao
ser apertado causava a maior balbúrdia.
O ídolo maior era o Senna, com suas
inúmeras vitórias e a banda mais famosa da cidade era o Empire States Band. Os
geladinhos era minha mãe quem fazia e os salgados ficavam por conta de Edina.
As aulas eram na Escolinha e todas as professoras tinham o mesmo cheiro,
perfume de professora. Meu pai era
enorme e intimidador, de fala firme e decidida; minha mãe era carinhosa e meiga
e os amigos eram leais e honestos. Os sonhos eram sempre os mesmos e as
histórias sempre acabavam com um final feliz.
Naquela época eu era criança e a vida uma
grande fantasia. Mas era tudo naquela época...
Naquela época!!!... mas que pena, o passado só é mesmo lembrado.
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