quarta-feira, 14 de março de 2012

NAQUELA ÉPOCA




NAQUELA ÉPOCA



Naquela época o mundo era grande e o tempo passava lento, como se estivesse tomado pela preguiça. A rua de minha casa era de cascalho e as casas cercadas de arame. A música da moda era SENEGAL, da banda Reflexus e o ritmo do momento era a Lambada. Os bailes aconteciam no Fred’s Bar, no Chuchu, na Rocinha e na União. Um dia disseram que o Diabo viria de Pirapora para a Rocinha, passei toda a noite sem dormir, rezando padres nossos.
Os televisores eram em preto e branco e transmitiam Jaspion, Giraia, Pantanal e He-man. Sá Lúcia era quem morava na esquina, numa casinha velha cheia de paus e plásticos velhos. Junto dela morava Dona Nega que, enquanto aquela rezava, punha-se a xingar palavrões. Nos meses de Junho e Julho, Sá Lúcia acendia uma grande fogueira em sua calçada, comprava uma caixa de foguetes e punha-se a jogá-los na labareda, até que a proibiram de comprar fogos.
Naquela época os ciganos eram figuras cativas, com seus cavalos bonitos e suas barracas de lona. Andavam por toda a cidade, vendendo pedras, lendo as mãos e, diziam, pegando as criancinhas atentadas. Uma vez deixamos o portão aberto e roubaram as colheres de casa. Vinham também os circos, com seus palhaços, leões, macacos e malabaristas. Ficavam uma semana e a vida se transformava.
A bola rolava pelas ruas e nas pedras ficavam nosso sangue e pedaços de nossos dedos. A roupa toda enlameada era lavada na barragem, enquanto as mulheres conversavam a vida alheia. Quem fazia as peças eram Lena e Dona Fia e a nossa vontade era vestir a “taça tumpida” enquanto tomávamos uma gelada “Tota-Tola”.
A feira era feita no armazém do Flamínio ou no João Benedito e as bandejas de Danone vinham sempre com uma revistinha dos Trapalhões, com as aventuras de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias.  As aventuras de Faroeste eram lidas no açougue do Mozart, debaixo do velho balcão de ardósia, enquanto ele atendia os fregueses.
Naquela época o cabelo se cortava com Seu Mariano e a Baré-cola se tomava no armazém do Ailton. No mercado se comprava carne de porco e pamonha e a pinga se tomava no boteco de Fabiano. Já o revólver de jato de água era comprado na barraquinha de frente ao campo de futebol, era um amarelo, com um recipiente onde era depositada a água e que ao ser apertado causava a maior balbúrdia.
O ídolo maior era o Senna, com suas inúmeras vitórias e a banda mais famosa da cidade era o Empire States Band. Os geladinhos era minha mãe quem fazia e os salgados ficavam por conta de Edina. As aulas eram na Escolinha e todas as professoras tinham o mesmo cheiro, perfume de professora.  Meu pai era enorme e intimidador, de fala firme e decidida; minha mãe era carinhosa e meiga e os amigos eram leais e honestos. Os sonhos eram sempre os mesmos e as histórias sempre acabavam com um final feliz.
Naquela época eu era criança e a vida uma grande fantasia. Mas era tudo naquela época...

Um comentário:

  1. Naquela época!!!... mas que pena, o passado só é mesmo lembrado.

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