terça-feira, 13 de março de 2012

O RAIO QUE CORTA A NOITE



O RAIO QUE CORTA A NOITE


    O silêncio era irritante naquele quarto. Pela janela entreaberta era possível observar a escuridão do céu; nenhuma estrela, nenhum cometa a cortar a sua negritude, apenas a imensa e tétrica cortina. Na rua, nenhuma vivalma, nenhum carro, moto ou animal; apenas as almas perambulando sem destino, numa incessante busca por um conforto, por um lugar pacífico, onde pudessem aquecer seus gélidos corações.
    A televisão desligada; a cama bagunçada; os lençóis sujos de sangue (o seu sangue); as roupas jogadas no chão; o seu corpo caído sobre a cama; o revólver ainda quente, do seu lado. Não, não sentia dores. Não tinha medo. Apenas um incômodo aperto no peito e uma interminável aflição. As lembranças vinham lenta e continuamente à sua mente, causando-lhe uma constrangedora vontade de chorar. Temia que alguém o olhasse, por isso não chorava.
    Procurou desapegar-se. Tirou a tristeza do peito e guardou-a em um cantinho da cômoda. Consertou o seu corpo sobre a cama; fechou-lhe os olhos e e fez um sorriso irônico em seu rosto pálido. Não fez as malas, nem se despediu (Não havia de quem se despedir); abriu a porta e, sem olhar para trás, foi andando, lentamente, até desaparecer na escuridão. Neste instante, um cometa, feito um raio, cortou o manto escuro do céu.

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