O
RAIO QUE CORTA A NOITE
O
silêncio era irritante naquele quarto. Pela janela entreaberta
era possível observar a escuridão do céu;
nenhuma estrela, nenhum cometa a cortar a sua negritude, apenas a
imensa e tétrica cortina. Na rua, nenhuma vivalma, nenhum
carro, moto ou animal; apenas as almas perambulando sem destino, numa
incessante busca por um conforto, por um lugar pacífico, onde
pudessem aquecer seus gélidos corações.
A
televisão desligada; a cama bagunçada; os lençóis
sujos de sangue (o seu sangue); as roupas jogadas no chão; o
seu corpo caído sobre a cama; o revólver ainda quente,
do seu lado. Não, não sentia dores. Não tinha
medo. Apenas um incômodo aperto no peito e uma interminável
aflição. As lembranças vinham lenta e
continuamente à sua mente, causando-lhe uma constrangedora
vontade de chorar. Temia que alguém o olhasse, por isso não
chorava.
Procurou
desapegar-se. Tirou a tristeza do peito e guardou-a em um cantinho da
cômoda. Consertou o seu corpo sobre a cama; fechou-lhe os olhos
e e fez um sorriso irônico em seu rosto pálido. Não
fez as malas, nem se despediu (Não havia de quem se despedir);
abriu a porta e, sem olhar para trás, foi andando, lentamente,
até desaparecer na escuridão. Neste instante, um
cometa, feito um raio, cortou o manto escuro do céu.
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