sexta-feira, 16 de março de 2012

A POESIA NUM FIM DE TARDE

A POESIA NUM FIM DE TARDE 

     Depois de um dia cansativo, estressado, esgotado, sento-me debaixo da arvorezinha, de frente a minha casa. Relâmpagos cortam o céu, clareando a escuridão da noite. Os carros passam em alta velocidade, deixando para trás o vento e o barulho do motor a desperdiçar energia. As motos cortam o asfalto feito flechas, subindo e descendo, guiadas por seus donos endoidecidos, hipnotizados pela liberdade e o vento na cara. Uma rotina imutável: Carros, motos, pessoas perambulando pela rua. 
     Os cachorros sobem a rua lentamente, como que pensando na vida e nos seus problemas. As crianças brincam nas calçadas, com suas bicicletas inocentes, suas pernas incansáveis e seus gritos irritantes. As mães ficam ao portão, vigiando-as, enquanto os pais assistem, atentos, ao Jornal Nacional. Vez ou outra um gato corta a rua, saindo desconfiado de alguma casa, até chegar à entrada do parque. De lá, num salto único, meio que ornamental, um tanto desajeitado, salta para dentro, temeroso de que algum cachorro o veja passar. A lagartixinha amarela espia pela fresta do telhado, observando os transeuntes, a espera que alguma mosca lhe venha distraída. Nenhuma aparece e, estática feito um boneco de cera, fica todo o tempo a esperar. 
      A rotina torna-se irritante. As mesmas pessoas, os mesmos fatos, a mesma rua. Mas, eis que um barulho estranho corta o silêncio daquele instante. Nenhum carro ou moto; nenhum cachorro ou gato; pessoa alguma ou criança. Apenas um tropel que começa quase que imperceptível e vem crescendo. Vira a esquina e vem majestoso; um barulho cadenciado, feito a mais bela música erudita. Surgem, então, dois belos exemplares eqüinos: um cavalo castanho com linda crina branca e outro caramelado com a crina escura. 
      Como que num respeito colossal, não passam carros, motos, animais ou pessoas. Apenas os dois animais, guiados por seus donos orgulhosos. Ambos munidos de chapéus, calça de couro e camisa xadrez. Não olham para os lados, apenas seguram as rédeas como se segurassem a mais delicada das mãos de princesas. Ambos parecem flutuar sobre seus garbosos animais que desfilando passam à minha frente. Não digo nada, nem penso.
      Apenas olho os cavalos com seus pelos bem tratados, suas crinas bem tosadas e seus músculos trabalhados. Ninguém para disputar os holofotes daquele instante; apenas a poesia que corta o asfalto naquele tardio instante. Tento absorver o momento e não pisco. Olho apenas e sinto o instante bem fundo no meu âmago. Observo cada passo até que ambos somem no final da rua; respiro fundo; levanto-me, pego o meu espírito de poeta exilado e recolho-me ao meu interior, talvez a espera que um dia, numa tarde qualquer, a poesia me volte a visitar.

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