NUMA
MANHÃ DE CHUVA
Choveu bastante
durante a noite. De acordo com a Lidy, uma vizinha, são as Cheias de São José.
Não confirmo nem desminto; da minha parte apenas sei que ela me impediu de
trabalhar. Chuva grossa, ainda que sem raios ou trovoadas; a estrada cheia de
lamas, pedras e buracos, enfim, intransitável. Fiquei em casa, olhando o tempo,
pensando poesias e futilidades.
Talvez quisesse ler
um livro, ainda que me faltasse tempo. Quem sabe escrevesse um livro, embora
não houvesse inspiração. Não produzi; fiquei apenas; escorado na janela olhando
o tempo acinzentado de uma manhã de Sexta-feira; o radinho ligado, tocando uma
música triste, sem nenhum canto de pássaro ou latido de cão.
A água caindo sobre o telhado fazia um barulho
gostoso, cadenciado, penalizado, triste, que quase me fazia chorar. Lembranças
longínquas vinham me visitar; parentes antigos que há muito não via; amigos
distantes que nem notícias mandam mais; emoções sinceras que faz muito não
tocam mais o peito deste poeta endurecido pelas vaidades mundanas.
De uma casa ao longe,
uma fumacinha envergonhada foge pela chaminé. Não é negra nem branca, tem um
tom acinzentado e um cheiro de outros tempos. A fumaça aparece em primeiro
plano, depois vêm o cheiro e o gosto do café. Café quentinho, adoçado com a
mais pura e límpida rapadura, pronto a ser tomado com um avantajado pedaço de
bolo, preferência de fubá.
O café é feito no
fogão de lenha, por uma negra pequena, gorda e de cabelos brancos a saltarem do
velho lenço. Não tem nome nem sobrenome, apenas o carinho das negras velhas de
antigamente, que se criavam nas casas grandes e, com o tempo, viravam quase que
gente da família, embora nunca saíssem dos limites da cozinha. Mas aquela não
era uma negra de antigamente; era uma negra dos tempos modernos, que,
certamente, possui Twitter, facebook, Orkut e, quem sabe, até mesmo um blog.
Talvez conheça o mundo; já tenha ido à Disney e até visitado o Vaticano. Uma
negra da moda.
O cheiro toma todo o
ambiente. Cheiro de café gostoso, feito com carinho, para uma pessoa especial.
A chuva cai ritmada e, no horizonte, bem ao longe, pelos lados da Lapinha, uma
luz pequenininha corta o acinzentado do céu. Talvez seja um avião que voa para
BH ou Brasília; talvez seja uma astronave em vôo de reconhecimento neste planeta
insólito e inexplorável; muito embora eu ache que seja apenas a minha
imaginação em busca de novas descobertas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário