sexta-feira, 16 de março de 2012

NUMA MANHÃ DE CHUVA


NUMA MANHÃ DE CHUVA


Choveu bastante durante a noite. De acordo com a Lidy, uma vizinha, são as Cheias de São José. Não confirmo nem desminto; da minha parte apenas sei que ela me impediu de trabalhar. Chuva grossa, ainda que sem raios ou trovoadas; a estrada cheia de lamas, pedras e buracos, enfim, intransitável. Fiquei em casa, olhando o tempo, pensando poesias e futilidades.
Talvez quisesse ler um livro, ainda que me faltasse tempo. Quem sabe escrevesse um livro, embora não houvesse inspiração. Não produzi; fiquei apenas; escorado na janela olhando o tempo acinzentado de uma manhã de Sexta-feira; o radinho ligado, tocando uma música triste, sem nenhum canto de pássaro ou latido de cão.
 A água caindo sobre o telhado fazia um barulho gostoso, cadenciado, penalizado, triste, que quase me fazia chorar. Lembranças longínquas vinham me visitar; parentes antigos que há muito não via; amigos distantes que nem notícias mandam mais; emoções sinceras que faz muito não tocam mais o peito deste poeta endurecido pelas vaidades mundanas.
De uma casa ao longe, uma fumacinha envergonhada foge pela chaminé. Não é negra nem branca, tem um tom acinzentado e um cheiro de outros tempos. A fumaça aparece em primeiro plano, depois vêm o cheiro e o gosto do café. Café quentinho, adoçado com a mais pura e límpida rapadura, pronto a ser tomado com um avantajado pedaço de bolo, preferência de fubá.
O café é feito no fogão de lenha, por uma negra pequena, gorda e de cabelos brancos a saltarem do velho lenço. Não tem nome nem sobrenome, apenas o carinho das negras velhas de antigamente, que se criavam nas casas grandes e, com o tempo, viravam quase que gente da família, embora nunca saíssem dos limites da cozinha. Mas aquela não era uma negra de antigamente; era uma negra dos tempos modernos, que, certamente, possui Twitter, facebook, Orkut e, quem sabe, até mesmo um blog. Talvez conheça o mundo; já tenha ido à Disney e até visitado o Vaticano. Uma negra da moda.
O cheiro toma todo o ambiente. Cheiro de café gostoso, feito com carinho, para uma pessoa especial. A chuva cai ritmada e, no horizonte, bem ao longe, pelos lados da Lapinha, uma luz pequenininha corta o acinzentado do céu. Talvez seja um avião que voa para BH ou Brasília; talvez seja uma astronave em vôo de reconhecimento neste planeta insólito e inexplorável; muito embora eu ache que seja apenas a minha imaginação em busca de novas descobertas.

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