quinta-feira, 15 de março de 2012

UM DIA TENSO

LEMBRANÇAS DE UM MENINO
UM DIA TENSO

AO MEU AMIGO LÉO


Foi um dia intenso; dia tenso. As vendas irrisórias; o chefe enchendo a paciência e uma terrível vontade de mandar tudo para o espaço. A cabeça a mil; o suor descendo pela careca alva, correndo pela testa e rosto, até cair, num único golpe, na barriga saliente. O coração palpitando, as pernas trêmulas e o sorriso forçado, forjado, posto à força no rosto cansado.
Quarta-feira, e o lucro ainda não viera. Os carros passando em alta velocidade na avenida e as baterias encalhadas nas embalagens. Sol quente, com uma nuvenzinha ao longe. Nuvem que crescerá e virará chuva, queira Deus que não de granizo, como fora a de Domingo. A internet ligada e o cunhado torrando as paciências. Ainda tem a geladeira quebrada, sem nenhuma latinha gelando, nenhuma carne para o churrasco, nenhuma alegria para o entardecer.
As lembranças vêm à mente; uma terrível saudade da esposa. Vontade de estar em casa, assistir à televisão, bajular o cachorro, colocar as pernas pr’o ar. Os pés começam a doer, os sapatos apertam, os dedos querem gritar, fugir, escapar do pisante e saírem correndo pelo asfalto quente, pular no Arruda e navegar para o infinito.
À noite tem jogo. O Galo no Mato Grosso, ou seria Rondônia? Não importa... Ao fundo, o radinho canta uma música qualquer, talvez um tango, um bolero, um hit inexpressivo; um cliente entra na loja e todos se põem a bajulá-lo. Sente uma vontade de xingar, chutar o balde mesmo, mandar tudo para o espaço. Não pode; não tem coragem. Encosta-se, apenas, no balcão e observa a cena: os colegas engalfinhando-se por uma pequena margem de lucro. Deveria estar ali, no meio do bolo; mas não tem ânimo, prefere ficar à margem de tudo e de todos.
O terço dos homens será na Quinta. O padre mandou avisar para não faltarem. A mulher ainda e recuperação. Os passarinhos pedindo água, comida, carinho, a mulher pedindo também. A barriga pesando. E se fizesse um regime, fosse à academia, parasse de beber? Não, melhor não... Academia, regime, quem sabe... Mais um cliente adentra à loja. Faz menção de levantar-se, juntar-se aos outros e bajular o indivíduo. O telefone vibra. Não se junta; pega-o e lê: mais uma mensagem. Não é o cunhado; sou eu avisando-lhe de que sua Crônica já está acabada.

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