O
CUMPRIMENTO
De acordo
com o Aurélio, cumprimento é “gesto ou expressão oral ou escrita de cortesia”.
Assim, hoje, é mínimo o número de indivíduos corteses a perambular por estas
ruas. Nos tempos em que andávamos, o Arnaldo e eu, pelas ruas lajeadas da cidade,
era comum recebermos os “Bons-dias” e “Boas-tardes” dos transeuntes. Quando
pouco, pelo menos um “Olá” acontecia.
Naquele
tempo todos andavam de cabeça erguida, com o corpo ereto e os olhos sempre
postos na face alheia. Hoje, com tantos computadores em casa, poucas são as
pessoas que se aventuram por estas ruas; e, as que o fazem, quando o fazem,
saem de cabeça baixa, alheias a todo o seu entorno, lendo seus e-mails,
mensagens, jogando games nos celulares, tablets e andróides.
Levanto-me
do meu banquinho e vou até a cuba, coloco um copo de vinho e volto à minha
tarefa primeira. Faz frio nesta manhã de quarta-feira e isso colabora para que
menos passantes cortem a minha porta. Os que passam não me vêem, não me
cumprimentam, não sabem que existo. Estão todos de cabeça baixa, alheios ao
mundo, mortos para a vida. E chego à conclusão de que estamos regressando na
linha evolutiva do homem.
É
incrível, mas começamos nossa evolução arqueados e estamos ficando novamente tortos.
Passou-se o tempo dos homens e mulheres esguios, retos, cheios de si; agora, aparecem
todos cabisbaixos, sem auto-estima, sem as cores vivas da cara que tinham
antigamente. Ainda bem que este mundo já está chegando ao seu final – e, com
certeza, também o Arnaldo pensaria assim.
A propósito,
desde o entrevero que o meu amigo tivera com sua esposa, não tenho mais
noticias sua. O Arnaldo era uma pessoa simples, enquanto sua esposa se mostrava
bastante finória, sempre pensando nas coisas futuras. As pessoas opiniáticas
daqui afirmam que a esposa do meu amigo dera um fim no pobre coitado; que não o
fizera com as próprias mãos, mas que mandara um capanga, lá dos lados do Pitão,
fazer o serviço sujo.
Não sei de nada do que tenha acontecido. Ela continua
em minha casa. É a própria que faz o café da manhã e leva em nosso quarto;
também prepara o almoço e os biscoitos que, neste momento, estão exalando um delicioso
cheiro lá da cozinha. Nunca me dissera nada sobre o assunto; também eu não a
pergunto, deixo que o rio siga o seu curso natural e tortuoso. Enquanto isso,
aproveito os encantos da esposa do amigo Arnaldo e alimento o desprezo dos
vizinhos, que não me dão mais um “Bom-dia”, “Boa-tarde” e nem ao menos um
“Olá”. Alguns viram a face enquanto outros se apegam aos seus joguinhos de
celular, e, justamente agora, deve ter um indivíduo, sentado à frente de um
computador, que esteja escrevendo e postando na internet tudo o que tenho
pensado, feito ou falado neste enredo.
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