quarta-feira, 4 de abril de 2012

O CUMPRIMENTO

O CUMPRIMENTO


De acordo com o Aurélio, cumprimento é “gesto ou expressão oral ou escrita de cortesia”. Assim, hoje, é mínimo o número de indivíduos corteses a perambular por estas ruas. Nos tempos em que andávamos, o Arnaldo e eu, pelas ruas lajeadas da cidade, era comum recebermos os “Bons-dias” e “Boas-tardes” dos transeuntes. Quando pouco, pelo menos um “Olá” acontecia.
Naquele tempo todos andavam de cabeça erguida, com o corpo ereto e os olhos sempre postos na face alheia. Hoje, com tantos computadores em casa, poucas são as pessoas que se aventuram por estas ruas; e, as que o fazem, quando o fazem, saem de cabeça baixa, alheias a todo o seu entorno, lendo seus e-mails, mensagens, jogando games nos celulares, tablets e andróides.
Levanto-me do meu banquinho e vou até a cuba, coloco um copo de vinho e volto à minha tarefa primeira. Faz frio nesta manhã de quarta-feira e isso colabora para que menos passantes cortem a minha porta. Os que passam não me vêem, não me cumprimentam, não sabem que existo. Estão todos de cabeça baixa, alheios ao mundo, mortos para a vida. E chego à conclusão de que estamos regressando na linha evolutiva do homem.
É incrível, mas começamos nossa evolução arqueados e estamos ficando novamente tortos. Passou-se o tempo dos homens e mulheres esguios, retos, cheios de si; agora, aparecem todos cabisbaixos, sem auto-estima, sem as cores vivas da cara que tinham antigamente. Ainda bem que este mundo já está chegando ao seu final – e, com certeza, também o Arnaldo pensaria assim.
A propósito, desde o entrevero que o meu amigo tivera com sua esposa, não tenho mais noticias sua. O Arnaldo era uma pessoa simples, enquanto sua esposa se mostrava bastante finória, sempre pensando nas coisas futuras. As pessoas opiniáticas daqui afirmam que a esposa do meu amigo dera um fim no pobre coitado; que não o fizera com as próprias mãos, mas que mandara um capanga, lá dos lados do Pitão, fazer o serviço sujo.
Não sei de nada do que tenha acontecido. Ela continua em minha casa. É a própria que faz o café da manhã e leva em nosso quarto; também prepara o almoço e os biscoitos que, neste momento, estão exalando um delicioso cheiro lá da cozinha. Nunca me dissera nada sobre o assunto; também eu não a pergunto, deixo que o rio siga o seu curso natural e tortuoso. Enquanto isso, aproveito os encantos da esposa do amigo Arnaldo e alimento o desprezo dos vizinhos, que não me dão mais um “Bom-dia”, “Boa-tarde” e nem ao menos um “Olá”. Alguns viram a face enquanto outros se apegam aos seus joguinhos de celular, e, justamente agora, deve ter um indivíduo, sentado à frente de um computador, que esteja escrevendo e postando na internet tudo o que tenho pensado, feito ou falado neste enredo.

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