quinta-feira, 19 de abril de 2012

UMA QUESTÃO DE INTERPRETAÇÃO


UMA QUESTÃO DE INTERPRETAÇÃO



Neste assunto sou obrigado a concordar com o Joérdson, pois, como diz aquele ditado africano “Somente enriquece quem dá”. O problema de tudo é a tal interpretação da seqüência; aliás, na vida tudo o que pega é a interpretação. É ela e maior culpada de todas as nossas desventuras.
Sua culpa pode ser facilmente entendida no caso daquelas duas irmãs que, por causa da ética e para manter a fidelidade fictícia desta Crônica, haveremos de chamar por Margarida e Hortênsia. Fato é que as duas chegaram à capital mineira com a esperança de uma vida melhor. Ambas tinham o ensino médio e um reles curso de computação.
Hortênsia sempre se mostrara mais ativa, mais esforçada, mais fogosa. Margarida era adepta de uma boa leitura e um pouco mais de reflexão. Um dia, voltando de uma entrevista, esta passou em uma banca de revistas e comprou um livro de ditados e provérbios e encasquetou-se com o famoso ditado africano.
Eis o caminho traçado por Margarida: ao ser convocada, prometeu doar metade dos seus ganhos a uma instituição de caridade, dez por cento para a igreja e vinte para o restante da família que ficara no interior. E com isso sentia-se feliz; com fome e sem roupas, é verdade, mas bastante realizada.
A distinta mulher não tinha medo da pobreza, nem do trabalho; pois sabia ela que um dia, mais cedo ou mais tarde, haveria de receber a sua recompensa. Não reclamava de nada, apenas fazia a sua parte e isso era a única coisa que lhe bastava.
Hortênsia não pensara nos seus. Não doara quantia alguma para igreja ou instituição de caridade; muito menos fora trabalhar para ganhar salário. Vive cheia de remédios, uns tais coquetéis para melhorar a imunização; mas tem carro, casa e muito dinheiro para gastar nos momentos de folga. Também está feliz e não reclama de coisa alguma.
As duas irmãs não moram juntas. Hortênsia mudou-se para a região da Pampulha, enquanto a irmã esconde-se num quartinho dos fundos de uma favela vizinha. O livro ainda está com Margarida e a folha com o ditado africano ainda está marcada com um lindo botão de rosa.

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