segunda-feira, 24 de março de 2014

FORMIGAS E BORBOLETA

A menina pegou todos os lápis e pôs sobre a mesa; abriu o caderno e ficou a olhá-lo, como se estivesse a contemplar alguma imagem, ou a imaginar o que desenharia. A mãe, que varria a casa àquela hora, parou e ficou a observá-la.  Vendo a demora da filha em começar a sua arte; perguntou:
- Algum problema, minha filha? Por que não está desenhando?
Sem tirar os olhos da folha em branco, ainda com os lápis descansando sobre a mesa, a menina respondeu, com a voz um pouco embargada:
- É que eu não sei o que desenhar.
- Que tal desenhar uma casa, com um belo jardim, uma lagoa com alguns peixinhos e algumas árvores... Sugeriu a mãe, entre solícita e reticente.
- A senhora não entende, mãe? Não quero desenhar coisas... O que eu queria mesmo era desenhar os sentimentos. Às vezes ainda consigo imaginar o que estou sentindo... Quando estou triste, imagino uma grande nuvem negra, com alguns raios saindo, tudo pesado, doído. Quando estou alegre, tudo parece claro, feliz, com o sol brilhando e sorrindo para as plantas e os bichos.
A mãe, sem saber o que dizer, ainda tentou uma última vez:
-Então por que não desenha o que você está sentindo agora?!
- por que não sei o que desenhar, mãe. Este sentimento eu nunca tinha sentido. Não estou triste, mas também não estou feliz. É como se uma borboleta estivesse fazendo cócegas no meu peito e algumas formigas caminhassem por dentro de minha barriga. Sinto calor, mas, é estranho, estou sempre arrepiada, como se alguma coisa me soprasse os ouvidos, como o que eu sentia quando a senhora me mordia as orelhas na hora de dormir.
A mãe começou a preocupar-se com aquilo. Já sabia que sentimento era aquele, mas não tinha coragem de perguntar. Torcia para que não fosse o que ela pensava, mas, podia jurar, aquilo era o primeiro amor, que batia à porta do coraçãozinho.
- E quando é que você sente isso, minha filha? Quando é que ele vem com mais força?
- Sinto o tempo todo, mãe. Mas, as formigas e a borboleta atacam mesmo é quando vejo o Toninho; quando ele pega na minha mão e quando me beija de leve na boca, mãe.

Ela continuou a varrer a casa e não disse mais qualquer palavra. Mas pensava que haveria de conversar com o pai, assim que fossem se deitar. Ele saberia o que fazer. Afinal, a menina tinha apenas doze anos, e era ainda a sua criança.

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