domingo, 16 de março de 2014

NO PONTO DE ÔNIBUS

Ela se levantou de forma brusca e sentiu faltar-lhe o chão. Procurou algum apoio onde se segurar e por pouco não caiu. Não era a primeira vez que sentia aquilo, mas não com tanta força, não com tanta intensidade. Quando engravidara, e depois perdera o bebê, havia sido daquela maneira, sentia tonturas, enjôo, desejos; mas, agora era diferente, não estava grávida, não podia estar. Também não ia ao médico, dificilmente entrava em um hospital. Quase nunca.

A senhora do lado lhe viera socorrer. Era uma mulher gorda, de cabelos brancos e com um longo e solitário fio, também branco, bem no canto do queixo. A fala da senhora era mansa, mas firme e confiante, e lhe causava uma paz profunda dentro do peito, enquanto lhe pedia que se sentasse e lhe fazia algumas perguntas sobre a sua saúde, além de outras tantas indagações.


Estavam em um ponto de ônibus. A mulher dissera que vinha da Zona Norte, estava indo para a Leste ver um negócio de emprego numa casa de família, era doméstica e tinha cinco filhos para criar sozinha, pois o marido, bêbado e mulherengo, não tinha tempo para trabalhar. Dissera também que era evangélica, que frequentava a igreja do bairro, mas que não tinha certeza se era isso que queria para a sua vida, pois que ainda estava se acostumando com os dogmas daquela religião; antes era católica, mas não muito praticante.

A mulher era quem mais falava. Fizera algumas perguntas no início, coisa sobre a sua saúde, talvez para entender o porquê daquela tontura súbita. Depois, destravou a taramela e não parou mais de falar. Mas ela gostava de ouvir, pois que a voz da senhora lhe era como um bálsamo a acalentar a sua alma. Acostumara-se com a solidão do seu barraco, sem ninguém para conversar, sem nenhuma amiga para trocar confidências; e, Santo Deus, aquela mulher trazia as lembranças e a saudade de sua mãe.


Fazia tempo que não via a mãe, que ficara no interior, que não lhe telefonava, que não mandava uma carta sequer. Faria isso, assim que chegasse em casa. Pediria perdão pela distância, pela ingratidão, pelo sofrimento que lhe causara. Do pai também sentia saudade, mas nem tanta. Lembrava-se constantemente das surras que ganhava, dos impropérios que ele lhe dizia quando chegava em casa bêbado. Mas pela mãe sentia amor, um amor velado, tímido, mas profundo e valioso.


O ônibus da senhora chegara, ela tinha que partir. Tinha hora para a entrevista e não podia se atrasar; mas pediu o telefone, mais tarde ligaria para saber como estava, se havia melhorado, se precisava de alguma coisa. Abraçaram-se rapidamente e a mulher se foi. Nunca mais a senhora ligaria, mas as lembranças dela ficariam para sempre na sua mente. Queria convidá-la para ser a madrinha do seu primeiro filho, e falaria isto com o pai, se soubesse quem era. Se soubesse. 

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