quarta-feira, 27 de julho de 2016

JUCA PESSOA



Já fazia cerca de um mês, senão mais, que Juca perambulava pelo sertão. Não fazia a mínima ideia de onde estava, se seguia para a margem de algum rio ou se se embrenhava mato adentro pelos sertões. Lembrava-se do ribeirão que viera seguindo até certa parte do caminho; depois, enquanto mais se afastava dele, perdia, rapidamente, as suas orientações. As árvores, a vegetação, a terra, tudo era exatamente igual até ali: tudo era extremamente seco e sofrido. O sol, sempre forte e perverso, parecia desnorteá-lo e a cada dia lhe parecia nascer de um lado diferente. O homem já não era capaz de retornar à sua casa, assim como também não tinha mais a capacidade de chegar a lugar algum por seus próprios conhecimentos. Andava a esmo, observando os pássaros e o vento; às vezes, sentia como se estivesse andando em círculos, num terrível labirinto. Daí, num de seus tantos pensamentos já desencontrados, chegara à terrível conclusão de que o sertão é um grande monstro pronto a engolir os seus filhos. 
Juca já não tinha forças suficientes para seguir. Já não andava mais duas ou três léguas num único dia; deixava que o cavalo o levasse de acordo com a conveniência do animal. Assim, arrastavam-se, ambos, pela estrada durante uma parte do dia; depois, desfazia os arreios, soltava o bicho e deitava-se debaixo de algum pequizeiro, a espera que alguma coragem lhe viesse ao corpo. De noite, sentia febre, e o couro já não lhe era capaz de esquentar, assim como não o fazia o fogo. Não tinha medo de morrer, e esse pensamento até apaziguava um pouco a sua alma.
Certa noite, enquanto queimava em febre à beira da fogueira, dentro de uma pequena gruta, sentiu uma mão macia tocar-lhe a testa. Abriu os olhos com alguma dificuldade, limpou o suor que lhe escorria pelo rosto e levantando um pouco as vistas, viu que a mãe o afagava carinhosamente. Tentou se levantar, mas, ela segurou-o com firmeza, fazendo com que permanecesse quieto em seu canto. Um calor ardente lhe queimava o corpo.
- A benção, mãe. – E sua voz lhe pareceu fraca, como a voz de quem já não tem forças nem mesmo para respirar.
- Deus te abençoa, meu filho.
A voz da mãe ainda lhe era macia como das outras vezes que a ouvira. Mas agora lhe parecia ainda mais branda, com um cheiro de rosas e tomada pela tranquilidade que apenas as vozes maternas possuem. Não estava delirando; tinha a certeza de que aquela era mesmo a sua mãe. Não em carne e osso, mas, talvez o seu espírito, que viera lhe amparar num momento de fraqueza e desilusão.
- Não tenho mais forças, mãe. Não consigo mais. Tenho que me entregar.
- Você ainda não cumpriu a sua missão, meu filho. Aguenta, que eu estarei com você.
Juca compreendeu que sua mãe agora era uma parte de si. Fechou os olhos e chorou copiosamente, deitado no seu colo. Depois adormecera, tranquilo e protegido, como quando morava com a velha, à beira do ribeirão.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

MEU AMIGO JAPÃO

Sempre descíamos os três para a escola. O Japão saía de sua casa às cinco e meia, passava na casa de Tinca e ambos passavam na minha casa. Íamos divagando sobre coisas amenas: futebol, meninas, carros... A aula começava às seis; por isso, caminhávamos sem pressa, como quem não quisesse chegar. Ás vezes passávamos na casa do Roni; mas isso não era ordinário, pois, quase sempre, descíamos pela Álvaro Augusto, passando pela venda de Zé Branquinho, até cortar o beco do Sesp e chegarmos ao Colégio.

Tinca não era muito apegado a horários, o que obrigava o Japão a esperá-lo por algum tempo, até que se aprontasse e descessem. Este, no entanto, sempre saía da sua casa pontualmente, sempre contando que algum imprevisto pudesse acontecer ou, o que não era difícil, que o Tinca ainda não estivesse pronto. Eu, como trabalhasse de manhãzinha na rádio, banhava-me às quatro e meia e, ordinariamente, tirava uma última soneca, sendo que quando ambos chegavam, encontravam-me tomando café com bolo de chocolate, que minha mãe sempre fazia.

Talvez fosse numa segunda-feira e o Tinca estivesse ainda engraxando sapatos, na praça ou na rodoviária, ou jogasse bola detrás do parque. Japão saíra de casa meio apressado, mas sempre com o cabelo bem penteado, liso e jogado para o lado direito, como que milimetricamente repartido. Com a pesada mochila ombrada, passara na casa de Tinca e, como ninguém o atendesse, desceu rapidamente a minha casa, e, escorado no balcão, com a cabeça jogada para dentro da casa, começou a gritar:

- Elismar, vamos embora. Já estamos atrasados!

É verdade que eu ainda cochilava àquela hora. Levantei-me meio cabreiro e fui atendê-lo.

- Passei na casa de Tinca, e ele não estava lá. Acho que já desceu. Saí de casa tarde; já são quase seis horas. Hoje vamos chegar atrasados.

Não pude deixar de rir do amigo variado. Ainda eram cinco horas da tarde,o sol estava alto, e ele estava meia-hora adiantado. Não deixei que retornasse à sua casa, fi-lo entrar e tomar um café com bolo. Tinca descera no horário e fomos à escola. Depois disso, algum tempo passado, Japão foi embora da cidade com o seu pai, única pessoa com quem morava, e nunca mais tive notícias do amigo.