segunda-feira, 3 de abril de 2017

ANDRELINDO

É verdade, todos nós somos treinadores, jogadores e comentaristas de futebol; assim como também somos médicos, psicólogos e professores. Apesar de tantas habilidades, muitas vezes não fazemos nada direito e nenhuma dessas funções se transforma no nosso ganha-pão.

Exemplo desta distorção humana é o Andrelindo. Rapaz alto e vigoroso, que chegou há pouco do Ribeirinho. Todos os dias manuseava a bomba de gasolina do único posto da cidade e, depois do expediente, dava as suas pernadas na pelada do Pequi-preto.

Em campo, Lindo – chamávamo-lo assim por pilhéria – jogava de zagueiro, lateral direito, lateral esquerdo ou volante, mas, se o time precisasse, fazia as vezes de goleiro, pois acreditava que a coletividade sempre devia prevalecer sobre o individualismo de cada jogador. Mas, a verdade é que Andrelindo não passava de um grande perna-de-pau e, para não perder a sua posição, aceitava que lhe escalassem em qualquer setor dentro das quatro linhas.

Um dia, quando o técnico não pode participar do jogo, por algum problema de saúde, Lindo, sempre solícito, ofereceu-se para ser o nosso professor, e, de súbito, ainda indicou ao moribundo uma garrafada que era tiro e queda no tratamento daquele problema. Assim, começamos o jogo no 4-4-2, variamos ao 3-5-2 e pulamos, já no segundo tempo, para o 4-1-4-1.

Faltavam quinze minutos para o fim da partida, quando Lindo resolvera se escalar. Sacou o nosso centroavante e pôs-se, de toalha e sabonete, no bico da grande área. E, como quem fosse resolver o problema, gritou aos seus comandados:

- Joga a bola ni mim, que eu se consagro. Vou virar esse jogo, cês vão ver!

Com o novo matador, o time passou a atuar no 4-3-2-1. Perdíamos por um a zero, mas, é inegável que ganháramos um ânimo novo. Os zagueiros se matavam em campo, os volantes batiam até na mãe, enquanto os armadores corriam de um lado a outro, preparando a bola para Andrelindo.

De repente, a bola fatal. Era a chance do empate, o início de uma virada histórica. Um desgarrou pela esquerda e correu como louco; chegou à linha de fundo e cruzou uma bola perfeita para o meio da pequena área. Lindo não pulou, ficou olhando a bola, que passou a um palmo da sua cabeça, bem de frente aos seus olhos. O zagueiro adversário pegou a bola, lançou longamente ao atacante e eles marcaram os dois a zero.

Debaixo do pequizeiro, depois da partida, um mais exaltado reclamou:

- Poxa, Lindo, se você pulasse era gol certo. Ficou parecendo um mindingo, sem força nem pra pular!

Andrelindo, pensativo, respondeu sem sobressalto:

- O certo não é mindingo, é mendigo! E ocê que nem jogano tava!


Lindo ainda jogou durante um tempo e nunca mais foi ao ataque. Da última vez que o vi, quando fui a BH, ele perambulava pelas ruas do centro, conversando sozinho, refazendo táticas e cornetando os jogadores.

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