segunda-feira, 3 de abril de 2017

O POLITICAMENTE INCORRETO

Sentado sobre uma pedra (porque sobre elas é o melhor lugar para se pensar) ele pensava. Mais que isso, lembrava-se de como a vida mudara rapidamente e meditava sobre as consequências de tantas mudanças. Enfim, cria, ainda mais, que antigamente a vida era bem melhor. Não que fosse um nostálgico, até gostava das inovações tecnológicas e da exacerbada libertinagem do novo século; mas, o politicamente correto é que lhe enchia o saco.

Tinha a certeza de que ninguém conhecia o inventor da nova onda, mas, como todas as convenções, aquilo era seguido por uma enorme gama de indivíduos e, por isso, a vida tornava-se cada vez mais chata. Aumentaram-se os direitos de cada um, e, sobretudo, aumentaram-se as cobranças, a vigilância, a autocensura. E isto era a aporrinhação.

Na sua época de jovem politizado, em plena ditadura, simplesmente por questões ideológicas contrárias às forças dominantes, aprazia-se em xingar os negros de crioulos, gasolina, café e coisas do gênero; as prostitutas eram somente putas, enquanto as periguetes eram raparigas. Naquela época, os palavrões eram a ordem da moda, e, surpreendam-se, até mesmo as moças mais recatadas, da alta sociedade, fumavam cigarros e cantavam gírias, putarias mesmo.

Hoje (e isto o incomodava), os pretos viraram afrodescendentes e têm direito à cota de vagas em universidades; as putas viraram profissionais do sexo, enquanto os veados transmutaram-se em homossexuais, com direito a passeatas e comemorações. Não se pode mais desacatar autoridades, não se pode mais fumar cigarro em público, não se pode mais encher a cara e chutar o balde alheio...

E uma imensa agonia arfava-lhe o peito. Era bom o tempo em que “o negro sempre cagava na entrada ou na saída”; que a gordinha virava um “Tribufu” e isto não lhe cabia processo por Bulling; que veado se curava no pau e puta levava uns tabefes para esquentar... Mas, naquele tempo, os militares eram o poder e a autoridade não éramos nós.



Naquele tempo tudo era certo e o errado era estar fora da moda. O politicamente correto era aliar-se aos milicos e sovar os terroristas da esquerda, os comunas, como diziam... Enquanto isso, a pedra parecia andar, devagarzinho, rumo ao imenso desfiladeiro; até que ele despencasse morro abaixo, com suas irracionalidades e toda a sua incorreção.

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