domingo, 4 de junho de 2017

NEGUINHA DE BIREU

Neguinha de Bireu morava com sua cachorra Piranha. Desde a morte do marido, o animal era a sua única companhia. Nunca mais sentira o corpo de um homem junto ao seu. Não é que não sentia falta, mas, nessas horas, descia ao Sanharó e tomava um banho frio, enquanto se lembrava do falecido e todo o seu calor.

Vieram de Mato Verde, corridos da seca. Bireu trabalhava suas terrinhas lá no Norte, mas, sem água e sem recursos, não pudera se sustentar. Vieram descendo aos poucos, até chegarem àquelas terras. Chegaram, levantaram o rancho e, como ninguém reclamasse o lugar, foram ficando. Ele trabalhava nas fazendas vizinhas, roçando o mato, carpindo, cortando cana, tangendo o gado; ela ficava em casa, sonhando as noites com o marido.

Neguinha, agora velha e decadente, fora uma moça bonita. Negra, de cabelos encaracolados, tinha os lábios carnudos e os olhos tão grandes e gostosos, feito duas jabuticabas maduras. As ancas eram enormes e a bunda durinha; os seios não eram volumosos, mas, por muito tempo, permaneceram macios e durinhos.

Bireu morrera cedo, deixando Neguinha solitária. Outros homens ainda tentaram conquistá-la, mas, sem obterem êxito, foram deixando-a em seu canto. Piranha aparecera do nada. Viera do meio do mato e aquietara-se em sua casa; como ninguém reclamasse a cachorra, deixou que ela ficasse. Assim, ficaram as duas, Neguinha e Piranha, solitárias naquele rancho, ambas se completando.

Com a ausência do marido, a mulher ia se acabrunhando. Pouco ia ao Pitinha. Ordinariamente, descia, a pé, para fazer a feira, a cada dois meses. Uma feirinha rala, que pagava com a aposentadoria, que a muito custo conseguira pelo INAMPS. Não gostava do tumulto do povoado, ademais, com a falta do marido, não lhe convinha ficar andando sozinha por aí. Preferia ficar em casa, plantando sua rocinha, conversando com Piranha.

Àquela manhã, Neguinha não amanhecera disposta. Fazia tempo que uma dorzinha no peito a aporrinhava. Levantara lentamente, ainda querendo permanecer na cama por um tempo. Acendera o fogo e pusera a água para ferver. Descera até o rio para pegar mais água para preparar o almoço. A dor parecia mais forte, mas dava para suportar. Preparou o angu de Piranha. A cachorra chegou tímida e encostou-se nas suas pernas.

Enquanto o angu esfriava, passou o café. Pôs o angu na vasilha, pegou o seu café e sentou-se junto da cachorra. Não tinha fome, apenas o café já lhe era o suficiente. Alisou o pelo de Piranha por longo tempo e notou que ela precisava de um banho. Os olhos dela lhe pareciam tristes, como numa última despedida; por isso, quase que instintivamente, abaixou e deu-lhe um beijo no focinho.

Mal tomara o primeiro gole do café, quando ouvira a voz do marido:

-Neguinha, meu amor, vamos embora, eu vim te buscar.

Enquanto Neguinha se afastava, Piranha a olhava com os olhos cheios d’água. Não latira nem reclamara; ela sabia que era a hora e que um dia ainda iriam se encontrar.


E quando já estava quase sumindo, a cachorra ainda vira o momento em que Neguinha lhe dera um último adeus. Ela estava linda, como há muito tempo, quando chegara com Bireu. 

3 comentários:

  1. Meu caro confrade, a simplicidade e maneira de escrever suas crônicas, deixa a gente até emocionado, parabéns. Mas um parabéns de coração. Lindo muito perfeito. abraços

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  2. Bicho... Sem palavras! Você é mestre demais Elismar.

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  3. De Mato Verde para o mundo!
    Uma ideia meu amigo transforme suas histórias em vídeos no YouTube usando bonecos tipo giramundo.

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