Neguinha de Bireu morava com sua cachorra
Piranha. Desde a morte do marido, o animal era a sua única companhia. Nunca
mais sentira o corpo de um homem junto ao seu. Não é que não sentia falta, mas,
nessas horas, descia ao Sanharó e tomava um banho frio, enquanto se lembrava do
falecido e todo o seu calor.
Vieram de Mato Verde,
corridos da seca. Bireu trabalhava suas terrinhas lá no Norte, mas, sem água e
sem recursos, não pudera se sustentar. Vieram descendo aos poucos, até chegarem
àquelas terras. Chegaram, levantaram o rancho e, como ninguém reclamasse o
lugar, foram ficando. Ele trabalhava nas fazendas vizinhas, roçando o mato,
carpindo, cortando cana, tangendo o gado; ela ficava em casa, sonhando as
noites com o marido.
Neguinha, agora velha e
decadente, fora uma moça bonita. Negra, de cabelos encaracolados, tinha os
lábios carnudos e os olhos tão grandes e gostosos, feito duas jabuticabas
maduras. As ancas eram enormes e a bunda durinha; os seios não eram volumosos,
mas, por muito tempo, permaneceram macios e durinhos.
Bireu morrera cedo, deixando
Neguinha solitária. Outros homens ainda tentaram conquistá-la, mas, sem obterem
êxito, foram deixando-a em seu canto. Piranha aparecera do nada. Viera do meio
do mato e aquietara-se em sua casa; como ninguém reclamasse a cachorra, deixou
que ela ficasse. Assim, ficaram as duas, Neguinha e Piranha, solitárias naquele
rancho, ambas se completando.
Com a ausência do marido, a
mulher ia se acabrunhando. Pouco ia ao Pitinha. Ordinariamente, descia, a pé,
para fazer a feira, a cada dois meses. Uma feirinha rala, que pagava com a
aposentadoria, que a muito custo conseguira pelo INAMPS. Não gostava do tumulto do povoado, ademais, com a falta do
marido, não lhe convinha ficar andando sozinha por aí. Preferia ficar em casa,
plantando sua rocinha, conversando com Piranha.
Àquela manhã, Neguinha não
amanhecera disposta. Fazia tempo que uma dorzinha no peito a aporrinhava.
Levantara lentamente, ainda querendo permanecer na cama por um tempo. Acendera
o fogo e pusera a água para ferver. Descera até o rio para pegar mais água para
preparar o almoço. A dor parecia mais forte, mas dava para suportar. Preparou o
angu de Piranha. A cachorra chegou tímida e encostou-se nas suas pernas.
Enquanto o angu esfriava,
passou o café. Pôs o angu na vasilha, pegou o seu café e sentou-se junto da
cachorra. Não tinha fome, apenas o café já lhe era o suficiente. Alisou o pelo
de Piranha por longo tempo e notou que ela precisava de um banho. Os olhos dela
lhe pareciam tristes, como numa última despedida; por isso, quase que
instintivamente, abaixou e deu-lhe um beijo no focinho.
Mal tomara o primeiro gole
do café, quando ouvira a voz do marido:
-Neguinha, meu amor, vamos
embora, eu vim te buscar.
Enquanto Neguinha se
afastava, Piranha a olhava com os olhos cheios d’água. Não latira nem
reclamara; ela sabia que era a hora e que um dia ainda iriam se encontrar.
E quando já estava quase
sumindo, a cachorra ainda vira o momento em que Neguinha lhe dera um último
adeus. Ela estava linda, como há muito tempo, quando chegara com Bireu.
Meu caro confrade, a simplicidade e maneira de escrever suas crônicas, deixa a gente até emocionado, parabéns. Mas um parabéns de coração. Lindo muito perfeito. abraços
ResponderExcluirBicho... Sem palavras! Você é mestre demais Elismar.
ResponderExcluirDe Mato Verde para o mundo!
ResponderExcluirUma ideia meu amigo transforme suas histórias em vídeos no YouTube usando bonecos tipo giramundo.