quinta-feira, 1 de junho de 2017

O MENINO

Um menino catarrento brinca na terra. Apesar de já grandinho, ele está pelado. A barriga grande é desproporcional ao resto do corpo, magricela, todo acinzentado. Vez ou outra, limpa o catarro com o braço, deixando marcas amarelecidas em meio à sua cor desbotada. Timidamente se levanta, chega de cabeça baixa e diz:

- Bença.

A sua mão está toda suja de lama. Dou-lhe a bênção e faço menção de seguir. Alguém grita:

- Ei, vem cá!

Abaixo a cabeça para não acertar a minúscula porta e assento-me num velho banco de madeira. A casa é bastante simples. O fogão à lenha ainda mantém algumas brasas acesas, esquentando uma caçarola com feijão e um bule desbotado. As outras duas panelas a um canto estão cobertas com tampas improvisadas, deixando à mostra o arroz branco quebrado e um macarrão seco e amarelo.

O homem, dicrocado sobre os calcanhares, fala sobre o sol que tem queimado toda a lavoura, sobre o filho de seu Laudreando, que, dizem, engravidara a filha de Quitéria e, com medo dos irmãos da moça, tinha fugido para São Paulo numa noite dessas. A verdade é que faz rodeios, enquanto observo o menino que brinca na lama, pelado, com o rosto coberto de catarro.

Faz tempos que moram ele e o menino. Havia se casado ainda muito jovem, com uma mocinha que viera da Bahia trabalhar numa carvoeira com os pais. Viveram felizes por algum tempo, com o menino e as agruras daquele lugar. Mas, numa manhã qualquer, antes que ele se levantasse para ir para a roça, dissera que ia buscar água na cacimba e fugira com Cassiano, filho de seu Ludovico.

Não se casara novamente. Vive a trabalhar pelas redondezas, sempre com o filho a tiracolo. Agora, teria de ir trabalhar numa fazenda longe, mexer com gado e lavoura grande. Pagariam bem; não teria como não pegar.

- Preciso de um favor seu...

Noto a sua voz embargada, como se algo o quisesse impedir de falar. Respira profundamente e, como se saltasse num precipício, diz:

- Fica com o meu filho. Não posso levá-lo. Troco num radinho de pilha.


Um comentário:

  1. Meu amigo, merece neste conto, um conto de reis. Maravilhoso, o melhor até hoje apresentado, parabéns meu confrade,

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