sexta-feira, 4 de agosto de 2017

A POESIA DE DINGO



Os jornais do dia davam a mesma notícia, todos versavam sobre a votação contra o presidente. Na esquina, alguns homens, esquentando o sol da manhã, com toda a autoridade que o Jornal Nacional lhes dera, filosofavam sobre a situação do país. Um, mais exaltado, com o dedo em riste, falava que apenas o exército é quem resolveria o problema da nação.

Algumas mulheres tomavam café na porta da rua. Com um lenço encardido na cabeça, uma balançava a cabeça para outra e dizia, ainda com a cara amarrotada, um “Bom dia, vizinha”. A resposta vinha seguida por uma pergunta sobre a situação política e, logo, passavam-se às amenidades, enquanto o frio da madrugada dava lugar ao tímido sol matutino.

As varredeiras subiam a rua arrastando as vassouras de um lado a outro, jogando a terra que descia lá de cima para dentro dos buracos que formavam à beira do asfalto. Entre risos, uma vaticinava que “Um dia, alguém ainda cai dentro duma cratera dessas”. As outras riam olhando para o lado, para verem se o fiscal não estava chegando. Um homem passava de bicicleta e, balançando a cabeça, dava um rápido “Opa!” e seguia para o boteco. Precisava de um trago de pinga para começar o dia.

Algumas crianças desciam para a escola. As pesadas mochilas pareciam dançar em suas costas, enquanto elas conversavam sobre futebol, brincadeiras, namorados e vídeos do Youtube. O sino da igreja batia as sete badaladas e elas já deveriam estar no portão, ou dentro das salas de aula. Chegariam no segundo horário, não tinham pressa, nem vontade de estudar.

Alheio a tudo isso, Dingo descia, rapidamente a rua, com o sorriso estampado no rosto e toda a alegria que os sonhos lhe permitiam. Não guardava rancores ou desilusões; apenas parecia ter a certeza de que tudo não passava de mera poesia e, esfregando rapidamente as mãos, repetia aos sisudos transeuntes:


- Bora pra roça, bora pra roça, bora! 

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