A parede era rasgada por uma
grande rachadura, quase como o rasgo de um pedaço de papel. Um pau fazia as
vezes de escora, até que ela pudesse refazer aquele lado. Uma tarefa difícil, pois
era ainda uma casa de adobe e somente ela poderia consertar, afinal, os meninos
não teriam tempo para isso, estavam sempre no mato, cortando lenha, enchendo e
esvaziando os fornos.
O rio barulhava no quintal,
como se quisesse dizer alguma coisa. Mas ela não tinha tempo para ouvi-lo. Não
àquela hora. Ainda tinha que bater a massa para a mistura, preparar o almoço,
lavar as roupas, carpir os matos do terreiro. Os cachorros corriam de um lado
para outro, brincando com um Jacu, que, do nada, aparecera. Ao longe, uma nuvem
de chuva caminhava lentamente. De certo, choveria, depois de muitas luas. As
plantas agradeceriam.
Enquanto a massa descansava
e o arroz secava a água no fogão à lenha, assentava junto à porta e ficava a
observar o tempo. Algumas lembranças vinham e uma lágrima, timidamente,
escorria pelo rosto. Mas não tinha tempo para as lembranças. Levantava-se e
punha a água para a vaquinha, que lambia o bezerro no curral, bem junto da
casa, como que num puxadinho.
Tinha que passar a vassoura
na casa, jogar uma água para abaixar a poeira. As crianças não tardariam a
chegar em férias. Será que os biscoitos seriam suficientes? Melhor seria
garantir mais uma sacada de pães de queijo! Alguns macaquinhos saltavam nas
copas das árvores, enquanto as nuvens já se achegavam sobre a casa. O rio
barulhava no quintal, parecia brincar de um lado para outro, alegrava-se com a
chuva, aprazia-se em vê-la andando de um lado para outro. Alegrava-se deveras.
Os tempos passaram. As
chuvas já não caem como outrora. Ela já anda de um lado para outro, descansa
apenas. A velha casa já não existe, o rio, dantes alegre e brincalhão,
silenciou-se quase por completo. Os meninos já não vivem mais no mato, alguns
se foram, viraram lembranças carinhosas. As crianças cresceram, enquanto o
Sanharó já não é mais nem um quadro na parede: Apenas um rasgo na alma.
Paródia da nossa realidade: todos vemos sanharós por todo lado e o cheiro da chuva que não chega neste ano que envelhece todo dia. Parabéns pelo texto. Pena que o livro já não está mais disponível.
ResponderExcluir