segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

ANO NOVO


Da sacada do seu apartamento, ele via as pessoas descendo. A virada do ano ainda demoraria, mas as pessoas já desciam para os arredores da praça. Algumas iam para a missa, outras desciam para os botecos. Faltava-lhes paciência para esperar o Ano Novo. Eram moças, rapazes e velhos que desciam a rua, enquanto ele, escorado na sacada, apenas observava todo aquele movimentar de gente.

            Quando novo, descia aos bailinhos da lagoa, ia às festas no Riacho ou ficava a vadiar em volta da igreja, até que os fogos começassem. Agora, depois de velho, preferia ficar ali, observando a horda, imaginando o que seria de cada um daqueles que desciam, o que pensavam, para onde iam e como voltariam. Já não tinha mais idade para festas e o foguetório já não o aprazia como antes.

            Algumas mocinhas desceram a rua em desabalada carreira, cantando músicas modernas, gritando obscenidades; uma senhorinha descera para a missa, com sua roupa domingueira e o terço na mão, olhando as mocinhas que cantavam e gritavam, fazendo cara feia, cochichando palavrões. Uma mulher de meia idade arrastava um menininho sonolento, enquanto dois homenzinhos observavam-na, imaginando obscenidades e fumando seus cigarros de palha.

            O sono ia chegando aos poucos, à medida que ele bebericava o seu vinho. Não usava roupas brancas nem fazia qualquer mínimo plano para o futuro. Da sacada do seu apartamento, vestido com seu roupão de banho, apenas observava e desanimava-se: o mundo já não tem mais conserto!

            Na televisão, nenhum programa que prestasse, nenhum jogo, a não ser as reprises. O melhor era ficar ali, fazendo mau juízo das pessoas que desciam, na esperança de que, dentre tantos, houvesse ao menos um que se salvasse. Ao longe, algum, mais apressado, já soltara um foguete adiantado, sendo respondido por outro mais distante e outro e mais outro. Depois, apenas o silêncio da noite, interrompido pelas pessoas que desciam.

            A garrafa de vinho ia esvaziando rapidamente. Havia chovido mais cedo, mas, agora, as estrelas já davam o ar da graça pelos céus. E isto lhe trazia lembranças de quando ainda era jovem, de quando ainda descia junto de toda aquela gente e esperava pela chegada do Ano Novo, sempre cheio de esperanças de que um dia tudo pudesse ser diferente. Já não estava bem. Era a hora de dormir.  


01/01/2018

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