Da sacada do seu apartamento, ele via as pessoas descendo. A virada do
ano ainda demoraria, mas as pessoas já desciam para os arredores da praça. Algumas
iam para a missa, outras desciam para os botecos. Faltava-lhes paciência para
esperar o Ano Novo. Eram moças, rapazes e velhos que desciam a rua, enquanto
ele, escorado na sacada, apenas observava todo aquele movimentar de gente.
Quando novo, descia aos bailinhos da
lagoa, ia às festas no Riacho ou ficava a vadiar em volta da igreja, até que os
fogos começassem. Agora, depois de velho, preferia ficar ali, observando a
horda, imaginando o que seria de cada um daqueles que desciam, o que pensavam,
para onde iam e como voltariam. Já não tinha mais idade para festas e o foguetório
já não o aprazia como antes.
Algumas mocinhas desceram a rua em
desabalada carreira, cantando músicas modernas, gritando obscenidades; uma
senhorinha descera para a missa, com sua roupa domingueira e o terço na mão,
olhando as mocinhas que cantavam e gritavam, fazendo cara feia, cochichando
palavrões. Uma mulher de meia idade arrastava um menininho sonolento, enquanto
dois homenzinhos observavam-na, imaginando obscenidades e fumando seus cigarros
de palha.
O sono ia chegando aos poucos, à
medida que ele bebericava o seu vinho. Não usava roupas brancas nem fazia
qualquer mínimo plano para o futuro. Da sacada do seu apartamento, vestido com
seu roupão de banho, apenas observava e desanimava-se: o mundo já não tem mais
conserto!
Na televisão, nenhum programa que
prestasse, nenhum jogo, a não ser as reprises. O melhor era ficar ali, fazendo
mau juízo das pessoas que desciam, na esperança de que, dentre tantos, houvesse
ao menos um que se salvasse. Ao longe, algum, mais apressado, já soltara um
foguete adiantado, sendo respondido por outro mais distante e outro e mais
outro. Depois, apenas o silêncio da noite, interrompido pelas pessoas que
desciam.
A garrafa de vinho ia esvaziando
rapidamente. Havia chovido mais cedo, mas, agora, as estrelas já davam o ar da
graça pelos céus. E isto lhe trazia lembranças de quando ainda era jovem, de
quando ainda descia junto de toda aquela gente e esperava pela chegada do Ano
Novo, sempre cheio de esperanças de que um dia tudo pudesse ser diferente. Já não
estava bem. Era a hora de dormir.
01/01/2018
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