O que dói é a saudade da mãe. Deitado debaixo da marquise, Luís se
ajeita. Faz frio, mas não tanto quanto nas noites anteriores. A fome é suportável;
nessas noites de fim de ano as pessoas dão o que comer para quem mora na rua. Não
dera sorte de ganhar roupas, só tem a camisa branca encardida cheia de rasgões
e o short de jogar bola. Foi com eles que saíra de casa há mais de um ano.
Não dava pra ficar. Até que a falta de comida, os xingamentos do
padrasto, o mínimo carinho da mãe, tudo isso era suportável. Mas ver a velha
apanhando não dava. Ou morreria ele ou o padrasto. Até que numa noite, quando
havia baile na favela, ele chegara embriagado, pegara a mulher pelos cabelos e
começara a bater. Luís não aguentava mais, dera uma única facada e desceu
correndo pelos becos. Ainda ouvira os choros da mãe tentando segurar o bêbado ensanguentado.
Nunca mais tivera qualquer notícia da mãe ou do velho. É melhor assim. Faz
um ano que está longe, a saudade dói, mas ele aguenta. Isso o fez mais forte, já
é um homenzinho. Talvez um dia volte à favela, e, se a mãe o tiver perdoado
(dizem que as mães sempre perdoam) haverá de se explicar e dizer que tudo
aquilo fora para a sua proteção.
O sono não vem. Com tanto movimento, não dormirá tão cedo. O melhor é ir
para a praia, ver os fogos da Virada. Além do mais, pode ser que consiga alguns
trocados, ganhe algum celular, pode ser que os meninos estejam por lá cheirando
cola ou jogando bola na areia.
As nuvens estão espalhadas, deixando entrever a lua toda formosa. Na
favela é que ela era bonita de verdade. De lá via toda a cidade e os fogos
pareciam explodir bem junto dos barracos. A praia está cheia, mas Luís não vê
os meninos. Os fogos pipocam nos céus, e a imagem é sempre bonita. Lembra-se de
que as pessoas pulam as ondinhas para dar sorte. Não sabe quantas, mas quer
pular. Tira a camisa e põe junto de uma barraca. Todos olham para o céu e ninguém
o vê entrando no mar.
O frio é suportável, a água o aquece. Pula algumas ondas, na esperança de
que um dia possa voltar pra casa, abraçar a mãe, ser menino de novo. Um homem o
acompanha com uma câmera na mão. Pensa em correr. O homem pergunta qualquer coisa, mas o
barulho não o deixa compreender. Esforça-se um pouco e lendo os lábios do
homem, responde o que mal entende: “Luís da Silva Cruz” “Nove Anos” “Moro na
rua, senhor”...
O homem se aproxima e ele corre. A camisa ficou esquecida no cantinho da
barraca. Já na marquise, Luís pensa que aquele homem poderia ser o seu
padrasto, que viera lhe matar. Também acha que poderia ser o salvador, que a mãe
sempre dizia que um dia ia voltar para salvar as criancinhas. Na dúvida, o
melhor é fechar os olhos e dormir. Mas o frio lhe é quase insuportável.
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