sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

MESSIAS

Era a mãe de messias quem dizia que quando ele encasquetava com alguma coisa, não tinha quem tirasse aquilo da cabeça do menino. E todos nós concordávamos. Achávamos que ele era mesmo meio louco. Sempre encasquetava com algo. E isso era desde criança, quando ainda corríamos pelas ruas esburacadas da cidade, brincando de polícia e ladrão, escondendo debaixo das camas-de-gato, perto dos chiqueiros de Zé Lopes.

Certa feita, numa tarde qualquer, quando jogávamos bola na rua de cima, cismou que um escorpião amarelo tinha picado o seu dedinho do pé esquerdo e que iria morrer antes que amanhecesse o dia seguinte. Os sintomas vieram rápido: dor excessiva, febre alta, tremores e suores. Foi o pai quem o levou para o hospital. Não deram soro nem remédio, pois não havia qualquer picada. Mas obrigou o pai a ficar consigo durante toda a noite, em observação. E Messias não morrera de picada de qualquer escorpião amarelo.

Não tínhamos dúvida: Messias era o nosso melhor jogador. Nas peladas detrás do parque, era ele o mais disputado entre os times e nos torneios na Inhaúma era o nosso maior goleador, até o dia em que resolvera pendurar as chuteiras. Foi num domingo de manhã, quando fomos buscá-lo para irmos ao jogo. Dissera que não jogava mais, pois tinha medo de morrer numa bolada dispersa ou numa trombada com algum zagueiro descontrolado. O melhor era pendurar as chuteiras. E, assim, perdemos o nosso craque.

A última do Messias foi há pouco. Enquanto tomávamos uma cerveja no bar do Egmar, disse que não viajaria mais. Não iria mais a Montes Claros, nem a cidade alguma. Pois as estradas andavam violentas e, a qualquer hora, poderia, por alguma fatalidade, ou imprudência alheia, morrer de acidente. Nenhum de nós disse qualquer palavra. A situação do nosso amigo estava se complicando e, se continuasse assim, daí a pouco não sairia mais de casa, fato, aliás, que havia se tornado pouco habitual, pois, conforme me disseram, ela havia encasquetado com a ideia de que alguém o poderia assaltar e, por maldade, matá-lo.

Fazia alguns dias que eu não tinha notícias do Messias, até que ontem me vieram contar. Era de madrugada quando ele acordara assustado: alguém estava assaltando a sua casa. Certamente que o ladrão estava na cozinha pegando a cafeteira, o liquidificador, o microondas. Daí a pouco, iria à sala, levaria a televisão e o aparelho de som. E se o achasse ali, certamente o mataria.


Desesperado, Messias levantara da cama e, vestido de cueca e pantufas, saíra correndo para a rua. Um carro que vinha em alta velocidade não conseguiu parar e messias morreu no local. O pai, que fazia o café e se preparava para ir ao trabalho, não entendeu o desespero do filho e nem creu direito quando o viu caído ao chão. No velório, a mãe, entre prantos, ainda repetia que messias se encasquetava com qualquer coisa. 

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