domingo, 8 de julho de 2018

ASTROGILDO



Enfunado em sua casa, Astrogildo, vive em quase completo isolamento. Sai, às vezes, para ir à casa de uma irmã, que mora em Montes Claros e, uma vez por mês, vai ao supermercado fazer a feira. Há algum tempo, fora casado, mas, dizem que a mulher não aguentou tamanha solidão e foi embora.  Alguns dizem que partiu para a Bahia, acompanhada de um colega da faculdade; outros, porém, dizem que foi morar com a mãe, que sempre a aconselhara a se separar do marido, segundo a velha: “um doido”.

Lembro de Gildo, era assim que o chamávamos, nos tempos de escola. Durante todo o colegial fomos colegas de sala. Ele era um sujeito comum, sem grandes manias, nem popular nem isolado, era apenas mais um aluno da sala. Não chegamos a ser amigos, mas, também não nutrimos qualquer desavença, e, uma ou outra vez, até fizemos alguns trabalhos juntos.

Depois, já adultos, nos víamos pouco. Fui para o curso de Letras e ele para o de exatas. Eu na pública e ele numa particular. Ele morava em Montes Claros e eu ia de ônibus todos os dias. Assim, via-o quando deixávamos alguns universitários à porta da faculdade. Ele balançava a cabeça e eu respondia com o mesmo movimento. E nisso se resumia a nossa relação.

A última vez que o vi, numa festa de fim de ano, na casa de um amigo em comum, eu notei que ele estava diferente. Já estávamos formados. Eu lecionava, já concursado, numa escola rural, enquanto ele lecionava, também concursado, em outra escola rural. Trazia a esposa a tiracolo, fazia um ano que estavam casados. Ela parecia feliz, ele se mostrava um pouco preocupado, meio cismado, quase arredio.

Tentei puxar algum assunto, relembrando os tempos de colégio; falei dos velhos colegas, dos trabalhos que fazíamos; perguntei sobre as aulas, casamento; tentei falar de futebol. Não tinha jeito, por mais que tentasse ser gentil, dar atenção, responder aos meus questionamentos; notei que Gildo estava desconfortável. Ele olhava para os lados, mexia os ombros e, eu pude perceber, conversava despistadamente com alguém, alguém que não estava ali. Não para mim e sua esposa.

Depois de algum tempo, conversando com alguns amigos, fiquei sabendo que tudo piorara e ele tinha sido encostado. Astrogildo já não disfarçava a sua loucura. Conversava a todo tempo com alguém. Sorria, brigava, chorava sozinho. E nem se importara quando a mulher foi embora. Trancou-se na sua casa e saía apenas para ir ao supermercado ou à casa de sua irmã, sempre conversando, com alguém que não estava ali, ou que nunca se via.

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