Enfunado em sua casa,
Astrogildo, vive em quase completo isolamento. Sai, às vezes, para ir à casa de
uma irmã, que mora em Montes Claros e, uma vez por mês, vai ao supermercado
fazer a feira. Há algum tempo, fora casado, mas, dizem que a mulher não aguentou
tamanha solidão e foi embora. Alguns
dizem que partiu para a Bahia, acompanhada de um colega da faculdade; outros,
porém, dizem que foi morar com a mãe, que sempre a aconselhara a se separar do
marido, segundo a velha: “um doido”.
Lembro de Gildo, era assim
que o chamávamos, nos tempos de escola. Durante todo o colegial fomos colegas
de sala. Ele era um sujeito comum, sem grandes manias, nem popular nem isolado,
era apenas mais um aluno da sala. Não chegamos a ser amigos, mas, também não
nutrimos qualquer desavença, e, uma ou outra vez, até fizemos alguns trabalhos
juntos.
Depois, já adultos, nos
víamos pouco. Fui para o curso de Letras e ele para o de exatas. Eu na pública
e ele numa particular. Ele morava em Montes Claros e eu ia de ônibus todos os
dias. Assim, via-o quando deixávamos alguns universitários à porta da
faculdade. Ele balançava a cabeça e eu respondia com o mesmo movimento. E nisso
se resumia a nossa relação.
A última vez que o vi,
numa festa de fim de ano, na casa de um amigo em comum, eu notei que ele estava
diferente. Já estávamos formados. Eu lecionava, já concursado, numa escola
rural, enquanto ele lecionava, também concursado, em outra escola rural. Trazia
a esposa a tiracolo, fazia um ano que estavam casados. Ela parecia feliz, ele
se mostrava um pouco preocupado, meio cismado, quase arredio.
Tentei puxar algum
assunto, relembrando os tempos de colégio; falei dos velhos colegas, dos
trabalhos que fazíamos; perguntei sobre as aulas, casamento; tentei falar de
futebol. Não tinha jeito, por mais que tentasse ser gentil, dar atenção,
responder aos meus questionamentos; notei que Gildo estava desconfortável. Ele
olhava para os lados, mexia os ombros e, eu pude perceber, conversava
despistadamente com alguém, alguém que não estava ali. Não para mim e sua
esposa.
Depois de algum tempo,
conversando com alguns amigos, fiquei sabendo que tudo piorara e ele tinha sido
encostado. Astrogildo já não disfarçava a sua loucura. Conversava a todo tempo
com alguém. Sorria, brigava, chorava sozinho. E nem se importara quando a
mulher foi embora. Trancou-se na sua casa e saía apenas para ir ao supermercado
ou à casa de sua irmã, sempre conversando, com alguém que não estava ali, ou
que nunca se via.
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